Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.
Diplomacia comercial e guerra à corrupção
A história dos conflitos ensina que, numa batalha, muitos inocentes morrem. Na guerra santa que se trava hoje no Brasil contra a corrupção, um das mais importantes ferramentas para a inserção competitiva das empresas nacionais na economia global encontra-se no meio do fogo cruzado. Trata-se da legítima e indispensável função de promoção comercial e atração de investimentos por parte dos postos diplomáticos do Brasil no exterior.
Nos últimos dias, noticia-se que diplomatas teriam auxiliado empresas brasileiras de construção civil na obtenção de informações e mesmo em gestões junto a possíveis clientes governamentais estrangeiros. Telegramas enviados ao Itamaraty por nossos postos diplomáticos em países como Argentina, Argélia, Portugal ou Haiti dão conta de que alguns diplomatas estão atentos e atuam em favor de empresas brasileiras quando oportunidades de negócios se apresentam. O que há de errado nisso? Nada.
A moderna visão que se deve conferir ao papel da diplomacia compreende uma incisiva participação da política externa como alavanca da construção da prosperidade. Isso vale para o Brasil ou para qualquer outra nação. Aliás, a tradição da diplomacia brasileira, infelizmente, é de fraca orientação pró-negócios. Nossos postos no exterior estão muitos mais para opacos templos de solenidade do que vibrantes agências de promoção do Brasil.
A política externa deve distinguir quais empresas nacionais ajudar e quais relegar a segundo plano? Claro que não. Cabe a um banco de desenvolvimento como o BNDES financiar junto a governos estrangeiros contratos artificialmente inflados de empresas brasileiras exportadoras de serviço, para que parte dos recursos auferidos seja canalizada para partidos políticos? Óbvio que não.
No entanto, nada há, em princípio, contra funcionários do serviço exterior ou mesmo ex-chefes de governo desempenharem funções de diplomacia empresarial. Bush pai, Clinton, Blair, Giscard d'Estaing (para ficar apenas em alguns nomes) –todos foram protagonistas da promoção das empresas de seus países durante seus mandatos políticos e depois deles.
Essa questão toca no próprio âmago do que deva significar o propósito da política externa. Afinal, em matéria de comércio, negócios e investimentos, se a diplomacia não trabalhar em prol dos empreendedores brasileiros, ela serve para quê?
Toda a estonteante arremetida chinesa rumo à condição de superpotência comercial se deu sob o amparo de uma agressivíssima diplomacia empresarial. Os postos diplomáticos chineses na América Latina e, sobretudo, na África são cabeças de ponte das grandes empreiteiras chinesas. Atuam com mão pesada junto aos governos locais para a obtenção de polpudos contratos de infraestrutura.
Na estratégia comercial exterior dos EUA, criou-se mesmo a figura do adido que opera em todos os postos norte-americanos pelo mundo lado a lado com empresas, diplomatas e seus objetivos mais amplos de política externa. Para Washington ou qualquer capital europeia, "the business of diplomacy is business".
Países da Ásia-Pacífico, como Austrália e Nova Zelândia, mantêm escritórios conjuntos no exterior para auxiliar suas empresas privadas a abocanhar novas fatias do mercado mundial. As embaixadas de França, EUA e Suécia estavam briefadas até os dentes e seus titulares atuaram fortemente para que Dassault, Boeing ou Saab emplacassem seus caças na venda bilionária que tencionavam realizar à Força Aérea Brasileira.
A legítima tarefa da promoção comercial não pode ser vítima de uma "bala perdida" da indispensável investigação de abusos. Demonizar a atuação da diplomacia empresarial apenas tornará o Itamaraty mais inútil ao nobre objetivo do desenvolvimento brasileiro.
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