É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
Escreve às quartas.
Um dirigente modelo de banco central
Em uma das canções de "The Pirates of Penzance", Gilbert e Sullivan satirizavam a ideia de um "major-general moderno" muitíssimo bem-educado.
Hoje, eles talvez estivessem satirizando os dirigentes de banco central de formação acadêmica, dos quais Ben Bernanke – que em breve deixará seu posto como chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos)- representa o mais perfeito modelo.
Como estudioso renomado, ele levou ao Fed uma mente brilhante e bem informada. Seu conhecimento de história econômica o ajudou a deter um pânico aterrorizante.
Mas Bernanke também cometeu erros. É provável que a História não o julgue com aspereza. Há muito a aprender de seu período no comando do Fed.
Bernanke já era imensamente influente antes mesmo de se tornar presidente, em 2006. Como presidente de uma das unidades do Fed, a partir de 2002, ele fez contribuições notáveis, como um estudo de 2002 no qual ele propunha uma receita para impedir que deflação ao estilo japonês acontecesse nos Estados Unidos, e sua celebração da moderação, em um estudo de 2004.
Antes disso, em um estudo publicado em 1999 que ele co-escreveu com Mark Gertler, da Universidade de Nova York, Bernanke argumentou que "a melhor estrutura de política econômica para atingir [a estabilidade financeira e de preços] é um regime com metas flexíveis para a inflação".
Esse é o dogma básico da moderna operação de um banco central.
Em sua despedida, neste mês, Bernanke começou pela "transparência e prestação de contas", apontando para o fato de que, em janeiro de 2012, o Comitê Federal de "Open Market" "estabeleceu, pela primeira vez, uma meta explícita de inflação de 2%, em longo prazo".
Ele acrescentou que a transparência do Fed e a prestação de contas pelo banco central "se provaram críticas em esfera diferente - a saber, no apoio à legitimidade democrática da instituição".
Ele certamente tem razão. Os bancos centrais exercem grande poder. Transparência e prestação de contas são vitais se deseja exercê-lo de maneira tanto efetiva quanto legítima.
ERROS
Outra área a que Bernanke dedicou atenção foi a estabilidade financeira. Quanto a isso, no período que antecedeu a crise, ele cometeu dois erros.
Primeiro, em seu elogio de 2004 à "grande moderação", o imodesto rótulo conferido ao desempenho da economia dos Estados Unidos antes da maior crise financeira e econômica em 80 anos, Bernanke alegou que "uma política monetária melhor pode ter feito grande contribuição a uma maior estabilidade econômica".
Ao fazê-lo, ele expôs as viseiras que caracterizam sua profissão. Como Hyman Minsky, um economista cujo trabalho caiu em descrédito, tentou nos dizer, a estabilidade desestabiliza. Um sistema financeiro ativo e empreendedor cria riscos, muitas vezes ao elevar dramaticamente o nível de alavancagem quando o momento é positivo.
Segundo, ele desconsiderou as implicações das hipotecas subprime [de alto risco]. Assim, em maio de 2007 declarou que "acreditamos que os efeitos dos problemas no setor subprime, dentro do mercado da habitação mais amplo, devam ser limitados, e não antecipamos que haja influência significativa do mercado subprime sobre o restante da economia ou do sistema financeiro".
Felizmente, quando se tornou evidente que essa avaliação estava completamente errada, o Fed de Bernanke agiu de modo decisivo, cortando fortemente as taxas de juros e sustentando o crédito.
Para combater o pânico, Bernanke seguiu a orientação do grande jornalista econômico vitoriano Walter Bagehot, que recomendava empréstimos irrestritos dos bancos centrais às instituições solventes, em momentos de crise. Vivemos em um mundo de manias e pânicos. Felizmente, Bernanke estava ciente disso.
Tendo impedido a paralisação completa dos mercados financeiros, o Fed passou a concentrar sua atenção na moribunda economia.
Como explica Bernanke, "para oferecer acomodação adicional de política monetária apesar das restrições impostas pelo limite inferior efetivo das taxas de juros, o Federal Reserve recorreu a duas ferramentas alternativas: anúncios mais explícitos e com validade mais longa sobre o provável percurso da taxa de fundos federais, e aquisições em larga escala de títulos de prazo mais longo para a carteira do Federal Reserve".
Ações como essas foram condenadas vigorosamente por criarem o risco de hiperinflação ou por dificultarem a desejável liquidação dos excessos pré-crise.
As críticas eram absurdas. O medo de hiperinflação se baseava em um modelo mecanicista das conexões entre as reservas dos bancos centrais e os empréstimos bancários, que se tornou irrelevante no sistema bancário contemporâneo.
Os bancos não são restritos pelas reservas, mas por sua percepção quanto aos riscos e recompensas de novos empréstimos. Os primeiros dispararam e as segundas despencaram durante a crise, o que explica o motivo para que o banco central precisasse intervir.
Os apelos pela liquidação não levavam em conta que um pânico descontrolado poderia causar falências em massa e uma nova Grande Depressão.
Muita gente também expressou preocupação sobre como seria conduzida a saída dessas políticas excepcionais. Uma vez mais, a preocupação é infundada. Existem instrumentos para administrar ou eliminar reservas excessivas.
Muitos se queixam, também, de uma dependência excessiva da política monetária. Mas a determinação do Congresso norte-americano de impor uma compressão fiscal em momento grotescamente inoportuno fez do Fed o único agente capaz de intervir.
No geral, o Fed conseguiu enfrentar a crise e suas consequências apesar das circunstâncias adversas. Por isso, Bernanke merece grande crédito.
Mas onde Bernanke deixa as finanças e a política monetária, ao concluir seu mandato? A resposta é: em grande incerteza. Há dois imensos desafios, ambos relacionados a erros anteriores à crise.
O primeiro é até que ponto será possível combinar uma política monetária baseada em metas para inflação à estabilidade financeira.
Conseguir sucesso nesse ponto depende de tornar efetiva uma nova ideia - a de uma política macroprudencial. Ninguém sabe ao certo se é possível fazer funcionar esse tipo de política.
O segundo é determinar se foi feito o bastante para tornar o sistema financeiro menos frágil. Continuo preocupado em relação a isso. Sim, a regulamentação e a fiscalização melhoraram. Mas, em essência, o sistema financeiro atual é o mesmo que existia antes da crise.
Pior, está sob domínio ainda mais forte de um número muito pequeno de instituições gigantescas e complexas, e dotadas de capital insuficiente.
A ideia de que seria possível "resolver" uma crise nessas instituições sem deflagrar pânico não passou por teste, e em parte por essa razão as promessas governamentais de que elas não serão mais resgatadas não parecem confiáveis. Esse é um legado altamente perturbador.
Bernanke com certeza será encarado como um dos mais significativos presidentes do Fed. Mas o fato de que hiperatividade tão flagrante tenha sido necessária para salvar o mundo da ruína econômica nos revela o quanto era frágil o novo e reluzente sistema financeiro mundial, e o quanto era insensato confiar em sua estabilidade.
Bernanke conseguiu salvar a situação. Mas também deixa questões não resolvidas sobre o futuro dos bancos centrais, do dinheiro e das finanças. Não deveríamos esquecê-las. Elas importam.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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