É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
Escreve às quartas.
China corre risco de descontinuidade econômica
David Daokui Lee, um influente economista chinês, afirmou: "A queda do mercado de ações não é o problema... o problema -que não é enorme, mas ainda é um problema- é a própria economia chinesa." Concordo em ambos os pontos, com uma exceção. O problema pode ser enorme.
A turbulência do mercado não é irrelevante. É relevante que Pequim tenha gastado US$ 200 bilhões em uma tentativa fracassada de escorar o mercado de ações e que reservas cambiais tenham caído US$ 315 bilhões em um ano até julho de 2015.
É relevante, também, que a procura por bodes expiatórios esteja em curso. Esses são indicadores de fuga de capitais e o pânico dos formuladores de políticas públicas. Eles nos dizem algo sobre confiança -ou sobre a falta dela.
No entanto, o desempenho econômico é, em última instância, decisivo. O fato econômico importante sobre a China são suas realizações passadas. O Produto Interno Bruto (em paridade de poder de compra) cresceu de 3% de níveis americanos para 25% (veja quadro). O PIB é uma medida imperfeita do padrão de vida. Mas essa transformação não é um artefato estatístico. É visível na realidade.
As únicas "grandes" (maiores que cidades-Estado) economias, sem recursos naturais valiosos, a alcançar algo assim desde a 2ª Guerra Mundial são Japão, Taiwan, Coreia do Sul e Vietnã. No entanto, em relação aos níveis dos Estados Unidos, o PIB da China per capita é o mesmo da Coreia do Sul de meados da década de 1980.
O PIB real da Coreia do Sul per capita, desde então, quase quadruplicou, em termos reais, para chegar a quase 70% dos níveis americanos. Se a China se tornasse tão rica quanto a Coreia, sua economia seria maior do que a dos EUA e a da Europa combinadas.
Este é um caso de otimismo de longo prazo. Contra isso, há a ressalva de que "desempenho passado não é garantia de desempenho futuro". As taxas de crescimento geralmente se revertem para a média global. Se a China continuasse progredindo rápido durante a próxima geração seria uma aberração extrema.
Nas economias emergentes, o crescimento tende a ser marcado por descontinuidades. Mas o que os formuladores chineses de políticas públicas chamam de "o novo normal" não é propriamente uma descontinuidade. Eles acreditam ter supervisionado uma desaceleração suave do crescimento anual de 10% para um crescimento ainda rápido de 7%.
É possível uma desaceleração muito maior? Mais importante, isso seria uma interrupção temporária, como na Coreia do Sul na crise do final da década de 1990 -ou mais permanente, como no Brasil dos anos 1980 ou no Japão da década de 1990?
Há, pelo menos, três razões pelas quais o crescimento da China deve sofrer uma descontinuidade: o padrão atual é insustentável; o excesso de dívida é grande; e lidar com estes desafios cria o risco de um colapso acentuado na demanda.
O fato mais importante sobre o atual padrão chinês de crescimento é a sua dependência de investimento como uma fonte de oferta e demanda (ver gráficos). Desde 2011, o capital suplementar tem sido a única fonte de produção extra, com a contribuição do crescimento da "produtividade total dos fatores" (medindo a variação de produção por unidade de insumos), perto de zero.
Além disso, a proporção de produção de capital incremental, uma medida da contribuição do investimento para o crescimento, aumentou ao passo que o retorno sobre o investimento caiu.
O Fundo Monetário Internacional afirma: "Sem reformas, o crescimento cairia gradualmente para cerca de 5% com acentuado aumento da dívida." Mas esse caminho seria insustentável, principalmente porque as dívidas já estão em um nível muito elevado.
Assim, o "financiamento social total" -uma medida ampla de crédito- saltou de 120% do PIB em 2008 para 193% em 2014. O governo pode gerenciar essa elevação. Mas não pode deixar o acúmulo recomeçar. A parte dependente do crédito de investimento precisa diminuir.
O aumento da dívida não é a única razão pela qual o investimento vai murchar. Daniel Gros, do Centro de Estudos de Política Europeia, em Bruxelas, mostra que a relação de capital para a produção na China está em uma trajetória explosiva. Notavelmente, já é muito mais alta do que nos EUA.
Se a relação capital-produto se estabilizar nos níveis atuais, e a economia crescer em cerca de 6%, a parcela de investimento no PIB precisa cair cerca de 10%. Se isso acontecesse de repente, o impacto na demanda causaria uma queda. Uma fatia do investimento de 35% do PIB (meramente voltando para onde ele estava nos anos 2000) seria um resultado desejável de reformas. Mas chegar lá rapidamente geraria uma queda enorme da demanda doméstica de hoje.
Muitos acreditam que a economia já está crescendo muito mais lentamente do que o governo admite. Mas quanto mais fraca a taxa potencial de crescimento e quanto mais incertos são os retornos, torna-se mais racional adiar o investimento, diminuindo ainda mais o crescimento da economia.
O argumento central para a descontinuidade é que é difícil sair suavemente de um caminho insustentável. O risco é que a economia ralente muito mais rápido do que quase todo mundo espera. O governo precisa encontrar uma maneira de responder que não aumente o desequilíbrio global ou doméstico.
A melhor abordagem seria a de continuar com as reformas, ao tentar colocar mais poder de compra nas mãos dos consumidores e investir mais no consumo público e nas melhorias ambientais. Essa resposta estaria plenamente em consonância com as necessidades da China.
Uma descontinuidade no crescimento econômico da China é mais provável agora do que em décadas; ela pode não ser breve; e o desafio que enfrentam os formuladores de políticas públicas é enorme. Eles precisam redesenhar uma economia em desaceleração sem quebrá-la.
Além disso, o desafio não é apenas, nem principalmente, técnico. Uma grande questão é se uma economia de mercado é compatível com uma crescente concentração de poder político. A próxima etapa para a economia da China é um enigma. Sua resolução vai moldar o mundo.
Tradução de MARIA PAULA AUTRAN
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade