É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
Escreve às quartas.
Índia enfrenta desafios para emergir como superpotência democrática
Prakash SINGH/AFP PHOTO | ||
Índia enfrenta desafios para emergir como superpotência democrática |
Na véspera da independência da Índia, em 1947, Jawaharlal Nehru, que se tornaria o primeiro premiê do país, falou de um "encontro com o destino". Essa nação vasta, diversa e empobrecida tomou o caminho da democracia e do desenvolvimento.
Passados 70 anos, a Índia continua uma democracia, e seu desenvolvimento avançou. O histórico não deixa de ter máculas. Mas os indianos têm motivo para orgulho diante daquilo que realizaram.
Assim, o que futuro pode trazer para o país? A ONU prevê que a população indiana será de 1,7 bilhão de habitantes em 2050, ante 1,35 bilhão para a China. É um número que parece impossível administrar. Mas a população já saltou de 376 milhões de pessoas em 1950 para 1,3 bilhão em 2015, e o país ainda assim está muito mais próspero do que era quando da independência.
Como mostra o excelente "Panorama Econômico" do Ministério das Finanças da Índia, a renda per capita real cresceu em cerca de 4,5% ao ano nos últimos 37 anos. A renda média real per capita subiu de 5% para 11% do nível dos Estados Unidos, no mesmo período. Essa é a segunda mais importante das histórias econômicas da era da globalização, e fica atrás apenas da dramática ascensão da China.
Suponha que a renda per capita da China cresça ao ritmo mais modesto de 3% ao ano, e que a Índia, mais pobre, registre 4% de crescimento anual em sua renda per capita até 2050. Suponha, além disso, que os Estados Unidos registrem 1,5% de crescimento anual em sua renda per capita no mesmo período.
Em 2050, a renda per capita chinesa seria equivalente a 40% da norte-americana, e a da Índia seria de 26% da média dos Estados Unidos —o patamar ocupado hoje pela China. Àquela altura, a China seria a maior economia do planeta (pelo critério de paridade de poder aquisitivo). A Índia seria a segunda maior economia, e os Estados Unidos a terceira.
Em uma análise especialmente esclarecedora do desenvolvimento indiano, o "Panorama Econômico" demonstra que o país trocou o socialismo pelo "comércio aberto, mercados de capitais mais abertos e dependência quanto ao setor privado". Aquilo que é definido (muitas vezes pejorativamente) como "consenso de Washington" se tornou o consenso da Índia.
As reformas prosseguiram sob o governo de Narendra Modi, especialmente com a adoção de uma nova lei de falências e de um imposto sobre os bens e serviços.
A relação entre PIB (Produto Interno Bruto) e comércio internacional da Índia é hoje comparável à da China, por exemplo. Os influxos líquidos de capital estrangeiro se assemelham aos de outras economias emergentes. Além disso, as empreitadas do setor público indiano já não são excepcionalmente grandes com relação à renda nacional.
Os gastos do governo estão alinhados com as normas mundiais para um país com esse nível de desenvolvimento. O atual governo realizou um grande esforço para reduzir os custos de negócios e para criar um ambiente acolhedor para o investimento. Os dias do império dos burocratas ficaram no passado distante. Se considerarmos o futuro, a Índia também conta com a aparente vantagem de uma população com envelhecimento relativamente lento.
Mas o "Panorama Econômico" também aponta para três diferenças desfavoráveis entre a Índia e outras economias emergentes voltadas ao livre mercado: a hesitação em aceitar o setor privado e proteger os direitos de propriedade; um Estado de baixa capacidade, especialmente na provisão de educação e saúde; e uma redistribuição de renda que é tanto vasta quanto imensamente ineficiente.
Esses aspectos, o estudo sugere plausivelmente, refletem o fato de que a Índia foi uma democracia precoce. O país se tornou democrático muito antes de se desenvolver. O otimista argumentará que esses descompassos se reduzirão à medida que o país venha a enriquecer.
O pessimista rebaterá que eles na verdade sufocam o progresso continuado. Mas democracia não é um luxo. É uma condição necessária à existência da Índia como país unido. Com alguma sorte, a crescente classe média indiana compelirá as autoridades a promover as melhoras necessárias na qualidade da governança.
Se considerarmos os obstáculos que o país terá de superar, três parecem especialmente importantes em longo prazo, e um se destaca em curto prazo.
O primeiro dos desafios de longo prazo é a educação. Uma força de trabalho vasta e crescente só é vantagem, em lugar de obstáculo, caso disponha das capacitações necessárias a uma economia em rápido desenvolvimento. A educação é responsabilidade do Estado. Mas o "federalismo competitivo" —competição entre os Estados— ainda não produziu melhora nos serviços educacionais.
Um segundo desafio em longo prazo é o meio ambiente. De agora até 2050, o PIB real da Índia pode crescer em 400%. A urbanização também avançará em ritmo parelho; hoje, um terço da população indiana é urbana; em 2050, essa proporção terá dobrado. Administrar o processo com sucesso vai requerer muita organização e investimento. Mas os desafios ambientais não serão apenas locais. A Índia terá de se desenvolver sem elevar demais o seu uso de combustíveis fósseis.
Um terceiro desafio de longo prazo é o ambiente econômico externo. Sob suposições plausíveis, a proporção das exportações indianas de bens e serviços no produto bruto mundial pode dobrar nos próximos 10 anos. Ela ainda é baixa, por enquanto (0,6% ante os 3,3% da China). Mas dada a reação adversa à globalização que está em curso nas economias de alta renda, o processo pode não correr com suavidade. A Índia terá de considerar como agir para promover uma economia mundial aberta.
O grande desafio em curto prazo é a perturbadora fraqueza do investimento. O "Panorama Econômico" atribui o fato em parte ao "duplo problema de balanço" —a combinação entre empresas altamente endividadas e bancos imobilizados.
O estudo argumenta que a economia não resolverá essas dívidas por meio de crescimento, em parte porque elas prejudicam o investimento e o crescimento. A resposta é uma combinação entre reconhecimento de prejuízos, reestruturação de dívidas e reforma radical dos bancos. Isso será difícil, mas é certamente essencial.
A Índia tem uma boa chance de se tornar a grande economia de mais rápido crescimento no planeta, e de emergir por fim como mais uma superpotência democrática, até a metade do século. Mas os desafios que enfrenta são enormes. Os sucessos do passado sugerem que é possível superá-los. Mas muito terá de mudar, e muitas dessas mudanças não acontecerão automaticamente. Uma vez mais, a Índia tem um encontro com o destino.
Tradução PAULO MIGGLIACI
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