É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.
Diplomacia da crise
Encerrou-se o ciclo de redução da pobreza que foi nossa marca registrada nos últimos 20 anos. Pela primeira vez em uma geração, está em curso uma reversão de expectativas para pior. A solução do problema demandará uma profunda reorganização do gasto público, com cortes pesados. O risco é jogar a conta pesada para a metade mais pobre da população.
É nesse contexto que urge reavaliar os parâmetros da política externa brasileira.
Como toda política pública, a diplomacia também tem efeito redistributivo. Medidas que reduzem a desigualdade social, como nossa diplomacia de direitos humanos, convivem com outras que a aumentam, como a política de comércio exterior. Isso não é jabuticaba. Em todo país, a definição de "interesse nacional" é objeto de intensa disputa entre grupos divergentes. No Brasil, geralmente, o conflito se resolveu em favor de quem sempre se favorece.
Diante do corte brutal de gasto público que vem aí, toda a sociedade deveria se mobilizar para proteger a metade mais pobre do país. O mesmo vale para a política externa.
Acontece que nunca em nossa história alguém mensurou o impacto redistributivo das estratégias brasileiras no exterior. Quem ganha e quem perde com a posição brasileira em mudança do clima ou com o acordo automotor do Mercosul?
Não deveria ser assim. Há ótimos estudos sobre como o sistema tributário, a política educacional e a previdência afetam a distribuição de renda e a justiça. Precisamos do mesmo em política externa.
Tal agenda, se implementada, enfrentará resistências. Afinal, a política externa precisa equilibrar a preocupação com o bem-estar da população com outros valores, como a gestão de alianças com terceiros países e a prevenção de conflitos desnecessários.
É um custo que vale a pena pagar. Apesar de nossa notável riqueza, continuamos sendo uma das sociedades mais desiguais do planeta, e estamos à beira de uma piora.
É chegada a hora de concebermos a política externa como um instrumento para reduzir a desigualdade.
Se o mote da diplomacia nesse tempo de crise fosse o de proteger a maioria da população, seria necessário imaginar novos parâmetros para organizar nossa atuação.
Uma iniciativa dessa natureza é totalmente viável, pois há recursos humanos e materiais para fazê-la. Contamos ainda com experiências pregressas bem-sucedidas, cujo estudo sistemático pode ajudar a diplomacia profissional a dar um grande salto de qualidade.
Bastaria escolher três ou quatro áreas da agenda externa para começar. Concluída a tarefa, gerações futuras terão dificuldade em entender por que cargas d'água não começamos antes.
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