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O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.
O vazamento mais importante
Em entrevista à Salon, a documentarista Laura Poitras, que vem cobrindo o escândalo do monitoramento eletrônico da NSA (Agência Nacional de Segurança), comenta sobre seus primeiros contatos com o "whistle-blower" Edward Snowden, a partir de janeiro:
"Ele desconfiava da mídia tradicional [mainstream], especialmente pelo que aconteceu com o 'New York Times' na matéria sobre o programa de escutas telefônicas sem ordem judicial [no governo George W. Bush], que, como todos sabemos, ficou um ano na gaveta."
Foi o que levou Snowden a procurar Poitras e Glenn Greenwald, que escreve no "Guardian" e é identificado com a defesa do WikiLeaks. Posteriormente, a própria Poitras procurou Barton Gellman, do "Washington Post", para "amarrar a Washington oficial no vazamento", segundo Greenwald.
Diante da repercussão, os três jornalistas envolvidos, Greenwald no "Guardian", Gellman no "WP" e Poitras escrevendo e produzindo vídeos para ambos os jornais, tornaram-se protagonistas também _e vêm divulgando relatos e cronologias conflitantes de suas ligações com Snowden.
O conflito não se restringe a uma disputa pelo furo _que foi mesmo de Greenwald, com a primeira reportagem da série, sobre o monitoramento de dados de telefonemas da Verizon. Estão em jogo concepções diferentes de jornalismo e, mais até, interesses corporativos concorrentes.
Greenwald defende uma abordagem "adversarial" na cobertura. Também Poitras é identificada com maior engajamento: Snowden se aproximou dela por ser uma pessoa "selecionada", no dizer dele. Ou seja, era alguém que a estrutura de segurança identificou como alvo, por seus documentários.
Do outro lado, Gellman e o "WP" adotam cobertura menos engajada, que se abre mais para a "Washington oficial".
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Ao fundo, o conflito contrapõe também e sobretudo o "NYT" e o "Guardian", ambos de tendência liberal _sendo que o segundo entrou no mercado nova-iorquino no ano passado, quando contratou Greenwald, Naomi Wolf e Ana Marie Cox, entre outros expoentes liberais do jornalismo.
O "NYT" admite, mas fustiga, o avanço do concorrente. Publica hoje que "Jornal britânico
faz ondas" e que "o furo se deve em parte à sua abordagem liberal e anti-stablishment". Cita a desconfiança da mídia "mainstream" por Snowden, relatada por Poitras, mas evita a menção à gaveta do "NYT".
Significativamente, o jornal já havia publicado no fim de semana um perfil crítico de Greenwald, descrito no enunciado como "blogueiro" e alguém com "experiência não usual como jornalista", que escreve "obsessivamente" sobre monitoramento governamental e perseguição de jornalistas.
Greenwald reclamou via Twitter de ser chamado de blogueiro _e de ver o "Guardian" americano chamado de britânico.
Com Snowden, o jogo de palavras é ainda mais pesado. "NYT" e "WP" o chamam de "source" (fonte). A Associated Press, de "leaker" (vazador). Evitam "whistle-blower" (soprador de apito, em tradução literal), expressão histórica que o aproximaria de personagens célebres do jornalismo americano.
Entre analistas conservadores americanos, ele é preferencialmente um "traidor", na expressão de Ralph Peters, da Fox News, que defende a pena de morte para Snowden. David Brooks, do "NYT", publica hoje que ele "traiu seus amigos"
, "traiu seus empregadores", "traiu a Constituição" etc.
Do outro lado, Daniel Ellsberg, responsável por vazar os Papéis do Pentágono nos anos 70 para o "NYT", escreve no "Guardian", com destaque em letras grandes na capa de papel, que "não houve na história americana um vazamento mais importante do que o material da NSA que Snowden divulgou".
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Na maior controvérsia da cobertura até agora, de todo modo, o "NYT" correu a apoiar o "Guardian". Este noticiou que a agência de segurança tem "acesso direto", expressão usada nos documentos oficiais, aos sistemas de Google, Facebook e outros. Larry Page, Mark Zuckerberg e outros negaram.
No fim de semana, o "NYT" publicou longa reportagem mostrando que as empresas de tecnologia negociaram, sim, um acesso direto da NSA aos dados privados de seus usuários. Seriam "caixas de e-mail fechadas, dando ao governo as chaves". O Facebook, "por exemplo, construiu tal sistema".
Em suas edições de hoje, tanto "Guardian" quanto "NYT" destacam que Google, Facebook e demais enfrentam uma crise de imagem _e talvez legal.
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