É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
Escreve às quartas-feiras.
Nada mais interessa a uma galinha
Era uma vaca. Vou falar da vaca hoje. Sempre me impressionaram as galinhas porque são muito impressionantes as galinhas, como a galinha cega, de João Alphonsus. Sabem, as galinhas são quase todas iguais, podem ter as penas diferentes, um topete, um bico mais adunco, mas nada importa.
É o mesmo olho pequeno, uma necessidade de piscar muito, um olho que olha mas não vê, porque no fundo a galinha se sente muito única, é ela, é o galo, nada mais interessa a uma galinha. O ovo, é certo, o ovo interessa, o futuro galo, o formato perfeito.
A galinha vera, a verdadeira galinha não quer saber de nada, o ovo e o galo bastam, o mundo tem milho, tem poleiro, tem outros bichos agressivos, mas não falam a língua dela, língua de galinha é pequena, não serve para ensopar, até serve, mas ninguém ensopa, um certo pudor de mexer com a língua das galinhas. Apesar de que com aquela conversa das manhãs ela faz sumir medos e tristezas. Os acordares com galinha são sempre lindos, cheiram a sol, esperança, terra batida.
Não querem muito, só aquele milho amarelo saindo do saco pardo, recheado, gordo, se quebrando em ouro pelo chão áspero.
É inocente, digamos burra, sem consciência, ela se dá inteira, uma galinha não tem pudores ridículos, nem intolerâncias, está sempre pronta e tonta. Zonza, em transe, em carência, entregue, afetada de amor, de piolho, de coceira, de penas sujas, de pouco horizonte. Só que ela passa por tudo, porque, não sei porque, sei que é assim. Vesgas, passo descontrolado, porque não têm muita certeza do que querem, há uma incerteza na galinha, uma alegre ligeireza, não pensa, não imagina, não inventa, não se engaja, só o ovo é perfeito ela é a mais imperfeita das aves e se importa, queria ser a águia, o condor, a fêmea do falcão, mas ela é a galinha e ponto.
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FRANGO DE PANELA DE BARRO (OU DE QUALQUER OUTRA QUE VÁ AO FORNO COM TAMPA)
Pegar uma panela que vá ao forno. Nos anos 80 vendiam-se panelas de barro com formato de galinha. Limpar o frango, temperá-lo com pouco sal e alho. Colocá-lo no centro da panela e rodeá-lo de legumes. De preferência, recheá-la de escarola. À volta, cebola, alho inteiro, vagem, ervilha torta, pimentão, batata, cará, milho raspado ou não, alho-poró.
Espalhar pedaços de manteiga por cima e levar ao forno por cerca de 3 horas. Quanto mais tempo, melhor. Vai se formar um caldo no fundo, e o frango doura. (Se quiser retirar os legumes e ficar só com o caldo, tudo bem, mas os legumes e verduras são gostosos, mesmo muito cozidos.)
FRANGO AO VINAGRE
Ingredientes
1,8 kg de frango cortado em pedaços
Sal e pimenta-do-reino
110 g de manteiga
2 colheres de azeite
6 tomates maduros, sem pele, sem sementes, e picados
300 ml de vinagre de vinho tinto
300 ml de caldo de galinha
2 colheres muito cheias de salsa picada
Preparo
Tempere os pedaços de frango com o sal e a pimenta. Aqueça 50 g da manteiga e o azeite numa panela e deixe dourar. Junte os pedaços de frango para fritar delicadamente, por inteiro. Junte os tomates e deixe fritar até que o tomate tenha perdido a água e esteja vermelho escuro e grudento.
Despeje o vinagre sobre ele e deixe reduzir, até que quase desapareça. Junte o caldo, e reduza pela metade. Retire os pedaços de frango para um prato de servir, mantendo-o quente. Bata o restante da manteiga no molho para dar brilho. Junte a salsa. Sirva com batatas cozidas. (A qualidade do vinagre é que é o segredo do prato.)
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