Formou-se em direito pela PUC-SP, é doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Oxford.
Escreve aos sábados,
a cada duas semanas.
Riscos da constituinte exclusiva
As constituições escritas são artefatos modernos, que partem do pressuposto de que, por intermédio da razão, temos a habilidade de estabelecer regras e instituições que nos auxiliam a coordenar a vida em sociedade.
Processos constituintes seriam, dentro da mitologia constitucional, eventos virtuosos na história de uma sociedade, onde os atores políticos seriam capazes de transcender ou canalizar suas ambições, paixões e autointeresses em benefício do bem comum.
Não surpreende que num contexto de crise política, econômica e moral, em que a sociedade brasileira se encontra atônita, o tema de uma constituinte exclusiva, voltada à reforma do sistema político, retorne à pauta.
Thomas Jefferson, que repudiava a ideia de que os mortos pudessem governar sobre os vivos, propunha que a cada duas décadas os povos pudessem renovar seus pactos constitucionais.
Esse, no entanto, pode não ser um bom conselho para o Brasil de hoje. Não porque nossa Constituição não possa e precise ser aperfeiçoada, mas sim pelo risco conjuntural de tornar as coisas ainda piores.
Numa quadra em que diversos atores negam a seus adversários o direito de existir politicamente, falar-se em um novo pacto voltado a aprofundar a democracia parece ingênuo.
Se por um lado é preocupante o discurso daqueles que pregam o retorno dos militares, ou buscam anular a decisão das urnas, por outro é igualmente inquietante a posição dos que negam ao cidadão o direito de se manifestar e protestar contra o governo ou, pior ainda, como fez o ex-presidente Lula, o ameaçam com a convocação do "exército" de sua facção.
O confronto político e a competição política são inerentes à democracia e necessários para que uma sociedade avance rumo a sua emancipação. Numa sociedade tão desigual como a brasileira não haverá mudança sem conflito. É indispensável, no entanto, que os adversários políticos se reconheçam como legítimos e não como inimigos a serem eliminados.
Também é preciso tomar cuidado para que o discurso que propugna por uma constituinte exclusiva não seja capturado por aqueles que desejam criar uma cortina de fumaça voltada a encobrir um grande acordo de leniência entre os partidos políticos. Da mesma forma que não se deve aceitar o argumento de empreiteiros de que são vítimas indefesas de extorsão por parte de políticos, também não se deve acolher o argumento de que "caixa dois" e corrupção são inerentes e indispensáveis à competição democrática.
Uma reforma das regras de competição política no Brasil, por melhor sucedida que fosse, talvez não tivesse a capacidade de purgar os vícios de uma arraigada cultura política patrimonialista, como descrita por Sérgio Buarque e Raymundo Faoro. Daí a importância da responsabilização dos que hoje fazem da violação da lei parte de seu agir político.
O Brasil se beneficiaria imensamente de uma reforma de seu sistema político. Temo, porém, que nas condições de temperatura e pressão pela qual estamos passando, a paixão, os interesses e a ambição suplantem a razão, indispensável a qualquer processo constituinte.
Por mais paradoxal que possa parecer, as ruas têm mais a ganhar pressionando este Congresso por reformas incrementais do que se contar com um virtuoso momento constituinte.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade