Paulistana, é repórter especial da Folha. Desempenhou várias funções desde que entrou no jornal, em 1987. Escreve às quintas.
Encurralados
RIO DE JANEIRO - A menina de 14 anos com cabelos encaracolados gostava de usar batom chamativo. Em dias ensolarados, curtia a pele negra na praia de Ipanema. Já não ia mais à escola. Amava os bailes funks do morro Dona Marta, em Botafogo, na zona sul do Rio. Para conseguir dinheiro, a mãe admitiu que carregava drogas na mochila para abastecer pontos do tráfico. Ganhava notas de R$ 50 por passar insuspeita por bloqueios policiais com seu jeito de adolescente charmosa.
Em baile no Dona Marta, rejeitou o assédio de um dos chefes do tráfico. Ele não admitiu ouvir não. A jovem resolveu denunciá-lo à polícia. Contou da ameaça de violência sexual e deu detalhes dos negócios. Tinha a promessa de que seria preservada como denunciante. O traficante foi preso. Semanas depois, a menina e o irmão de 18 anos desapareceram.
Uma câmera registrou seus últimos passos ao deixar o morro em outubro de 2015. Investigação policial apontou que traficantes atraíram os dois até favela da zona norte. Foram torturados e mortos como vingança pela prisão do chefe. Três estão presos acusados dos assassinatos. Os corpos não foram encontrados.
O Dona Marta é símbolo da chamada política de pacificação. Em área cinco vezes maior do que o Maracanã, tem cerca de 4.000 moradores. Abriga a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), instalada em dezembro de 2008. Há sete anos não registra homicídio. Mas não há dúvidas de que o poder do tráfico permanece forte, mesmo que nas sombras.
Jovens e negros de favelas estão encurralados. De um lado, são assediados e ludibriados pelo tráfico à porta de casa. De outro, são vítimas preferenciais da letalidade da polícia, como revelam novos números da Secretaria de Segurança. Oito em cada dez pessoas mortas em confronto com a polícia no Estado do Rio em 2015 eram negras ou pardas. Dessas, três eram jovens.
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