Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.
Transtorno do deficit reduzido
O debate político em Washington é dominado há mais de três anos por avisos sobre os perigos dos deficits orçamentários. Alguns poucos economistas vêm procurando desde o início observar que esta fixação está equivocada --que gastos públicos deficitários são, na realidade, apropriados numa economia deprimida.
Mas, embora os críticos do deficit tenham errado em relação a tudo até agora --onde estão as taxas de juros cada vez mais altas que nos foram prometidas?--, as objeções de que estamos tendo a conversa errada têm sido ignoradas constantemente.
O que realmente chama a atenção neste momento, contudo, é a persistência da fixação com o deficit, em vista dos fatos em transformação acelerada. As pessoas ainda falam como se o deficit estivesse crescendo sem parar, como se o orçamento dos EUA estivesse seguindo uma trajetória insustentável, sendo que, na realidade, o deficit vem caindo mais rapidamente do que faz há gerações; ele já se encontra em um nível sustentável e está baixo demais, em vista do estado da economia.
Comecemos pelos números brutos. O deficit orçamentário americano subiu após a crise financeira de 2008 e a recessão que a acompanhou, quando a receita caiu muito e aumentaram os gastos como benefícios de desemprego e outros programas de seguridade social.
E essa alta do deficit foi uma coisa positiva!
Os gastos federais ajudaram a sustentar a economia, num momento em que o setor privado recuava em pânico; podemos afirmar que o papel estabilizador do governo, com seus gastos aumentados, foi a principal razão pela qual a Grande Recessão não se converteu num replay completo da Grande Depressão.
Contudo, depois de chegar ao ápice em 2009, em US$1,4 trilhão, o deficit começou a diminuir. O Escritório Orçamentário do Congresso prevê que o deficit do ano fiscal de 2013 (que começou em outubro passado e já passou da metade) seja de US$854 bilhões. Isso pode ainda soar como um valor alto, mas, dado o estado da economia, realmente não é.
Vale lembrar que o orçamento não precisa estar equilibrado para que possamos seguir um caminho fiscalmente sustentável --só precisamos de um déficit suficientemente baixo para que o crescimento da dívida seja inferior ao crescimento da economia. Para citar o exemplo clássico, os EUA nunca chegaram a pagar a dívida da Segunda Guerra Mundial --na realidade, nossa dívida dobrou nos 30 anos seguintes à guerra. Mas a dívida, como porcentagem do PIB, diminuiu em três quartos nesse mesmo período.
Neste momento, um deficit sustentável seria de cerca de US$460 bilhões. O deficit real está mais alto que isso.
Mas, segundo novas estimativas do escritório orçamentário, metade de nosso deficit atual reflete os efeitos da economia ainda deprimida. O deficit "ciclicamente ajustado" --o que o deficit seria se ainda estivéssemos com taxa de emprego quase pleno-- é de apenas cerca de US$423 bilhões, o que o coloca no espectro sustentável; em 2014 o escritório orçamentário prevê que esse número caia para pouco mais de US$172 bilhões.
E é por isso que as projeções do escritório orçamentário indicam que a posição da dívida nacional será mais ou menos estável ao longo dos próximos dez anos.
Portanto, não --repito, não-- estamos enfrentando qualquer tipo de crise do deficit, nem vamos enfrentar qualquer crise do deficit por anos ainda.
Existem problemas fiscais de mais longo prazo, é claro: custos de saúde crescentes e uma população em processo de envelhecimento vão impor pressão crescente sobre o orçamento ao longo da década de 2020. Mais ainda não vi nenhuma explicação coerente do porquê dessas preocupações de mais longo prazo determinarem a política orçamentária agora. E, como eu disse, diante das necessidades da economia, o deficit está baixo demais no momento.
Para explicar em outros termos: uma política fiscal inteligente prevê que, quando o setor privado não está gastando, o governo o faça, dando apoio à economia quando ela está fraca e reduzindo a dívida apenas quando ela está forte. No entanto, o deficit ciclicamente ajustado, como porcentagem do PIB, está hoje mais ou menos no mesmo nível de 2006, no auge do boom imobiliário, e está caindo.
Sim, vamos querer reduzir o deficit quando a economia se recuperar, e há sinais gratificantes de que uma recuperação sólida já começou, finalmente. Mas o desemprego ainda se encontra inaceitavelmente alto, especialmente o desemprego de longo prazo. John Maynard Keynes declarou muitos anos atrás que "o boom, e não o momento de desaceleração, é o momento para praticar austeridade".
Ele tinha razão; basta olhar para a Europa para ver os efeitos desastrosos que a austeridade tem sobre economias fracas. E o que temos agora ainda está muito longe de ser um boom.
Sei que a verdade em relação a nosso déficit encolhido não é bem-vinda em muitos setores. Difundir o medo fiscal é uma atividade amplamente praticada em Washington, especialmente entre aqueles que procuram desculpas para fazer o que realmente querem --ou seja, desmontar o Medicare, o Medicaid e a Previdência Social. Pessoas cujas carreiras estão fortemente envolvidas com o setor dos críticos do deficit não querem deixar que as evidências enfraqueçam suas táticas de disseminar o medo.
À medida que o deficit for diminuindo mais, com certeza vamos ver uma enxurrada de estatísticas fajutas que supostamente indicam que ainda estaremos passando por algum tipo de crise fiscal.
Mas não estamos. O deficit está diminuindo de fato, e o argumento em favor de fazer do deficit uma preocupação política central, argumento esse que nunca foi muito forte, em vista dos custos baixos do crédito e do desemprego alto, já desapareceu por completo.
Tradução de CLARA ALLAIN
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