Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.
Conhecimento não é poder
Um dos melhores insultos que já ouvi veio de Ezra Klein, hoje editor chefe da Vox.com. Em 2007, ele descreveu Dick Armey, antigo líder da maioria republicana na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, como "aquilo que um idiota imagina que uma pessoa inteligente deve ser".
É uma definição engraçada, que se aplica a muitas figuras públicas. O deputado Paul Ryan, presidente do Comitê de Orçamento da Câmara, é um dos melhores exemplos atuais.
Mas talvez nós é que sejamos as vítimas da piada. Afinal, pessoas como essas muitas vezes dominam o discurso político. E o que as autoridades não sabem, ou pior, aquilo que elas acham que sabem mas na verdade não sabem, pode definitivamente causar estrago.
O que inspirou essa reflexão desanimadora?
Bem, andei estudando as pesquisas da Iniciativa sobre Mercados Mundiais, da Universidade de Chicago. Há dois anos, ela vem conduzindo pesquisas regulares com um painel de importantes economistas, representativos de um amplo espectro de escolas e inclinações políticas, sobre questões que variam do aspecto econômico do esporte universitário à efetividade das sanções comerciais.
E o que se descobre com base nas respostas é que usualmente existe muito menos controvérsia profissional quanto a uma determinada questão do que a cacofonia na mídia noticiosa poderia levar a crer.
Esse é certamente o caso quanto à pesquisa mais recente, que perguntou se a Lei de Recuperação e Reinvestimento - o "estímulo" de Obama - havia produzido redução no desemprego. Dos 37 consultados, apenas um respondeu negativamente. Uma pergunta de acompanhamento sobre se o estímulo havia dado resultado produziu novo consenso positivo acachapante- 25 sins, e dois nãos.
Deixe de lado, por um momento, a questão de determinar se o painel está ou não certo sobre isso (ainda que esteja). Permita-me, em lugar disso, perguntar se você fazia ideia de que havia consenso tão forte em favor do estímulo entre os especialistas, ou mesmo se você sabia que existe um consenso.
Imagino que tudo dependa de onde você obtém suas notícias e análises econômicas. Mas de qualquer forma esse consenso não foi noticiado para, por exemplo, os espectadores da CNBC - um de cujos apresentadores ficou tão espantado ao me ouvir defendendo um aumento nos gastos públicos para estimular a economia que me descreveu como um "unicórnio", uma criatura que ele tinha dificuldades para acreditar que existisse.
O mais importante é que, nos últimos anos, as autoridades econômicas em boa parte do mundo ocidental no geral ignoraram o consenso profissional quanto a gastos do governo e tudo mais, e colocaram sua fé, em lugar disso, em doutrinas que a maior parte dos economistas firmemente rejeitam.
O único voto contrário na pesquisa quanto ao estímulo veio do professor Alberto Alesina, de Harvard. Ele alega que cortes nos gastos do governo são na verdade expansivos, mas relativamente poucos economistas concordam com essa visão, apontando para dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras instituições que parecem refutar suas alegações.
Mesmo assim, no momento em que os líderes europeus estavam fazendo sua decisiva e desastrosa opção pela austeridade, eles desconsideraram os alertas de que cortar fortemente os gastos, em economias deprimidas, aprofundaria a depressão. Em lugar disso, ouviram os economistas que lhes diziam o que queriam ouvir. Foi, nas palavras da "Bloomberg Businessweek", "a hora de Alesina".
Estou dizendo, com isso, que o consenso profissional está sempre certo? Não.
Mas quando os políticos selecionam cuidadosamente os especialistas - ou, em muitos casos, "especialistas" - em que preferem acreditar, a probabilidade é de que escolham mal. Além disso, a experiência demonstra que, quanto a esses assuntos, não existe prestação de contas.
Tenha em mente que a direita dos Estados Unidos continua a receber assessoria econômica de pessoas que passaram muitos anos prevendo erroneamente uma disparada na inflação e o colapso do dólar.
Tudo isso traz uma questão perturbadora: será que somos mesmo capazes, como sociedade, de acatar bons conselhos sobre política econômica?
Os economistas costumavam afirmar confiantemente que algo como a Grande Depressão jamais voltaria a acontecer. Afinal, sabemos muito mais do que nossos bisavós sobre as causas e curas de desacelerações, e com isso certamente nos sairíamos melhor. Quando as crises irromperam, porém, muito do que aprendemos nos últimos 80 anos foi simplesmente deixado de lado.
A única peça de nosso sistema que parece ter aprendido alguma coisa com a História foi o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), e as ações do Fed sob Ben Bernanke e agora sob Janet Yellen talvez sejam o único motivo para que não tenhamos passado por uma reprise da Grande Depressão.
(Mais recentemente, o Banco Central Europeu, sob Mario Draghi, outra instituição na qual os conhecimentos especializados continuam a ter espaço, tirou a Europa da beira do abismo à qual havia sido conduzida pela austeridade.)
E como seria de esperar há ação no Congresso para restringir a liberdade de ação do Fed. Nenhum dos especialistas entrevistados na pesquisa da Universidade de Chicago acredita que isso seja uma boa ideia, mas sabemos que a opinião deles pouco importa.
E a macroeconomia, claro, não é o único desafio que enfrentamos. Na verdade, ela é um problema fácil se comparado a muitas outras questões que precisam ser resolvidas por meio de conhecimento especializado, acima de tudo a mudança no clima. Assim, é preciso imaginar se e como conseguiremos evitar o desastre.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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