É jornalista desde os 18. Cobriu as Copas de 1994, 1998, 2006, 2010 e 2014. Hoje, também é comentarista. Escreve aos domingos
e segundas-feiras.
Há 35 anos repetem que o futebol brasileiro está nivelado por baixo
Ronny Santos/Folhapress | ||
Partida entre Corinthians e Grêmio, válida pela 29ª rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol 2017 |
Em outubro de 1982, a edição 652 da revista "Placar" fez enquete com comentaristas para saber quem seria o campeão paulista. Um dos entrevistados, o comentarista da rádio Gazeta José Roberto Papacídero lascou: "O futebol está nivelado por baixo."
Nunca mais o futebol foi uma caixinha de surpresas, porque todo ano alguém solta o mesmo chavão para explicar o declínio técnico do Brasil.
Incomoda a repetição exaustiva do diagnóstico. Não pode estar nivelado por baixo há 35 anos.
Mas há gritos importantes, que fogem do comum. Além do Juca e do Tostão, Paulo Autuori tem oferecido análises mais realistas sobre a situação atual e as razões de tanta gente achar os jogos no Brasil ruins.
"Não gosto de definir só uma situação. Pode parecer simplista e o assunto é complexo", diz o técnico campeão mundial pelo São Paulo. "O que mais falta no Brasil é ideia, é reflexão."
É mesmo tentador usar um símbolo só. As trocas de treinador, por exemplo. Mais grave é mudar de filosofia no meio do ano.
E de elenco.
O Palmeiras de Eduardo Baptista-Cuca-Alberto Valentim explica seu próprio fracasso. O São Paulo que começou o Brasileirão com Maicon e Thiago Mendes, termina com Arboleda e Hernanes, também.
"Perguntamos por que quem tem posse de bola não vence. Ora, se você não tem tempo para treinar, o jeito mais rápido é trabalhar bola parada e sistema defensivo", afirma Autuori.
É mais falta de trabalho do que de talento.
Há um ano, dizia-se que a seleção tinha a pior geração de todos os tempos. Hoje imagina-se a chance de ser campeã mundial. Análises díspares em período tão curto só podem significar falta de cultura de futebol. "Sou a favor de que se façam seminários, com todos os partícipes do espetáculo. Jogadores, técnicos, preparadores físicos, imprensa...", diz Autuori.
É mais simples dizer que os técnicos brasileiros estão desatualizados do que questionar por que estrangeiros como Osorio, Edgardo Bauza, Ricardo Gareca, Paulo Bento, Daniel Passarella e Reinaldo Rueda também sofrem.
É difícil mesmo achar que está tudo bem quando se compara um Anderlecht 0 x 4 Paris Saint-Germain, à tarde, com Corinthians 0 x 0 Grêmio, à noite. De um lado Mbappé e Neymar. Do outro, o Corinthians doido para o jogo terminar em barranco.
A Liga dos Campeões virou a NBA do futebol e há comparações mais justas.
No âmbito doméstico, o campeonato do Brasil é pior do que o da Espanha, da Alemanha e da Inglaterra. Não é pior do que o de Portugal, Holanda, Argentina e Itália.
Autuori concorda, mas pondera: "A comparação precisa ser com o que sempre tivemos aqui."
Está certo.
O maior vilão é o êxodo. Outro, a falta de jogo coletivo. Espaço ficou menor, o drible mais difícil, o treino tornou-se ainda mais importante. Como não há e os elencos mudam duas vezes por ano, os jogadores médios parecem ruins. Na Europa, parecem bons.
É mágica produzida pelo conjunto.
É urgente melhorar a educação do futebol brasileiro. Entender mais o jogo, discuti-lo. Ou vamos passar mais 35 anos ouvindo que o futebol está nivelado por baixo, mesmo com o Corinthians nove pontos acima do nível.
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