rede social
por Eliane Trindade
É editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Escreve às terças, a cada duas semanas.
A arte de não cair no samba do crioulo doido ideológico na era digital
Atravessar a acalorada campanha eleitoral de 2014 sem exercer o sagrado direito de "bloquear" um punhado de gente no Facebook e deixar de seguir tantos outros no Instagram e no Twitter foi uma vitória da paciência em meio ao acirramento geral de posições.
Tudo em nome do sentimento nobre de que é preciso aprender a conviver com a diversidade e respeitar as diferenças. E de outro menos confessável: ver até aonde vai a ignorância alheia.
Além de um dever profissional, estar conectada foi também um exercício cotidiano de masoquismo. Para, ao final, concluir à mesa de bar, cercada de amigos de verdade: "A humanidade não deu certo".
Passear a cada dia pelas minhas timelines e ler intermináveis e apaixonadas postagens contra esse/a ou aquele/a candidato/a ou a favor de um ou outro partido era tortura e aprendizado. Afinal, sou de um tempo em que jornalista em atividade nas redações -e portanto cobrindo o noticiário e tentando ser o mais isento possível- não deve emitir opiniões publicamente.
Não se trata de covardia. De forma discreta, um curtir aqui outro ali, a publicação de um link ou o compartilhamento de um artigo podiam sugerir minhas inclinações políticas.
Posso testemunhar que não é nada confortável ficar em cima do muro, quando o que se quer mesmo é descer para o corpo a corpo e entrar no Fla x Flu eleitoral expondo suas opiniões e percepções do mundo e da vida.
Somo chamados a opinar e a dizer o que estamos pensando na troca cotidiana, mas quase sempre superficial, em nossas relações no mundo digital. Sofri muito ao não poder responder à desinformação e à ignorância de certos argumentos. Em todas as matizes ideológicas, diga-se de passagem, havia representantes que teimavam em me agredir com suas palavras a cada passeio pelo Facebook, pelo Twitter e pelo Instagram, nos últimos dois meses.
DEPOIS DO 7 X 1
Que saudades da Copa. Como sou partidária de que só o humor salva, era melhor rir que chorar. Da mesma forma que a derrota por 7 x 1 para a Alemanha fez os brasileiros produzirem uma enxurrada de piadas nas redes sociais, o disputado pleito presidencial de 2014 também gerou uma avalanche de memes, piadas e posts surreais.
Na condição de voyeur, fui arquivando algumas mensagem, imagens e opiniões que são um retrato da atual "festa da democracia": do funk da luta de classes aberta, ao samba do crioulo doido ideológico, passando pelo melodrama do tango partidário.
É um resumo de um pleito tão bipolar quanto a polarização PSDB x PT, capaz de levar do riso à indignação, passado pelo sentimento geral de "vergonha alheia".
Atenção: não estou me referindo só àquele candidato nanico, também anão das ideias. Da série "política é coisa séria ou piada", selecionei alguns exemplos de uma corrida eleitoral sem vencedores.
ESCATOLOGIA ELEITORAL
Findo o primeiro turno, já podemos dar descarga naquela frase infeliz "de que aparelho excretor não é aparelho reprodutor", proferida por um candidato que conseguiu espantosos 446.878 votos, mesmo tendo mostrado intolerância máxima em relação ao casamento gay.
A vingança, neste caso, veio em forma de memes, como a "selfie montagem" do tal político com seu bumbum à mostra. Mais engraçado ainda foram os comentários ferinos de quem aprendeu a rebater preconceito com inteligência e humor: "Esse cabra não foi parido, só pode ter sido defecado". Quem mandou evocar o aparelho excretor em rede nacional?
POLITICAMENTE INCORRETO?
Para continuar no banheiro, surgiu no meu Instagram, logo no começo da manhã deste domingo de eleições, o papel higiênico "Aécio Neves", trocadilho e montagem com uma famosa marca, para incitar o eleitor a votar no candidato que vai "limpar todas as merdas do atual governo".
No mesmo perfil, lá estava também a foto de um insuspeito eleitor do tucano: Lula, com as duas mãos à mostra para formar o 45 do adversário de sua candidata Dilma Rousseff. Como alguém pode achar graça em expor uma mutilação resultante de um acidente de trabalho?
No contraponto, o Aécio "Never" que também circularam à vontade parecia brincadeira de criança.
RESSACA
Ainda de ressaca do primeiro turno, o post mais reproduzido ao longo de todo o domingo, foi a imagem de um pichação da dupla osgêmeos, replicada em perfis de famosos e anônimos, sem distinção de partidos e preferências ideológicas. "Não é a política que faz o candidato virar ladrão, é o seu voto que faz o ladrão virar político". Sem agressões, por favor. É só o senso comum, que andava tão ausente, dando as caras nas redes sociais. Já não era sem tempo.
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