renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Os vivos e os mortos
A morte repentina de Luís Eduardo Magalhães é um desses raros episódios em que o jornalista, normalmente entorpecido pela rotinização de tragédias que caracteriza a profissão, experimenta um choque que o aproxima do sentimento do leitor.
Mas o impacto parece insuficiente para modificar o olhar que os jornais lançam sobre a notícia. As edições de quarta-feira passada, elaboradas em alta velocidade a partir do anúncio feito por volta de 20h de terça, são exemplo disso. "
Governo FH sofre novo abalo: morre Luís Eduardo Magalhães", dizia a manchete de "O Globo". "Morte de Luís Eduardo desfaz a articulação política de FH", era a do "Jornal do Brasil". Na Folha, em corpo (tamanho das letras) maior do que o habitual, adotou-se fórmula seca: "Infarto mata Luís Eduardo".
Na crítica encaminhada diariamente aos jornalistas, elogiei a agilidade da Redação, que produziu uma cobertura ampla em condições desfavoráveis _além do horário, leve em consideração que não existe "material de gaveta" sobre um jovem deputado com longa carreira pela frente.
Há, entretanto, um caráter redutor na Folha desse dia. Ao longo das páginas, além da narrativa dos fatos que culminaram no sinal de negativo do porta-voz do Senado, duas únicas interpretações foram oferecidas ao leitor, ambas de cunho político.
A primeira: em menos de 48 horas, o presidente Fernando Henrique Cardoso se viu privado de seus dois principais articuladores (Sérgio Motta e Luís Eduardo). A segunda: o PFL perdeu seu candidato à Presidência para 2002.
No entanto, o extraordinário dos acontecimentos da semana vai além dessa leitura. Não se esgota nem mesmo no inesperado da morte de um homem de 43 anos para quem fora desenhado um futuro no Palácio do Planalto.
No centro dessa história está a tragédia pessoal de Antonio Carlos Magalhães.
Um dia depois de ter saído do enterro de Motta ainda mais poderoso do que antes, o senador "perdeu a vida", como teria dito a um colega. Qualquer pessoa que conheça um pouco da trajetória de ACM e da ligação que tinha com o filho sabe que não há exagero na frase.
É quase uma parábola, e ela fala a um público maior do que o leitorado habitual do noticiário político.
A Folha tem dificuldade em transitar fora da esfera institucional das questões, como se isso não ficasse bem para um diário de prestígio.
Na edição de quinta-feira, o jornal fugiu à regra. Em 5 das 11 páginas ocupadas pela cobertura, trouxe reportagens que conseguiram transmitir a comoção que cercou o velório e o sepultamento de Luís Eduardo e o clima em torno dos personagens do drama.
Na sexta-feira, contudo, o luto em Salvador era passado. Os desdobramentos locais foram relegados à porção inferior de uma página, sem menção na capa. O dia de ACM, confinado em um pé de texto.
As baterias da Folha já estavam de novo voltadas para Brasília e o cronograma de votação das reformas.
Não se trata de subestimar a importância da discussão política. Mas, se permite que ela monopolize sua atenção, o jornal retira o conteúdo humano de um caso em que este é essencial.
"O golpe que o senador baiano sofreu está sendo analisado pelos estrategistas do governo e da oposição (...) Mas não é nisso que me detenho. Penso na dor daquele homem gordo", escreveu Carlos Heitor Cony. Acredito que tenha sido o caso de muitos leitores.
*
Na quinta-feira, Luís Nassif defendeu que a morte tem "o condão de derrubar preconceitos e permitir análises mais isentas sobre o morto".
Pode ser. Mas, invertendo a proposição do jornalista, penso que a morte também pode servir para tornar menos equilibrada a biografia dos personagens da notícia.
Dos veículos da grande imprensa, a Folha teve o maior contencioso acumulado junto a Sérgio Motta, que jamais tolerou suas críticas aos governo FHC.
Entretanto, na cobertura da morte do ministro, o jornal foi excessivamente discreto ao lembrar as suspeitas de seu envolvimento no esquema de compra de votos para aprovar a emenda da reeleição.
O caso, revelado pela Folha, ficou perdido no meio de amplo material biográfico. Não mereceu título.
Tem de haver uma maneira de reconhecer as contribuições prestadas por figuras públicas e respeitar a dor de seus familiares e amigos, ao mesmo tempo preservando a coerência com o que o próprio jornal publicou.
*
Ainda sobre Sérgio Motta, ouvi muitos protestos de leitores que, na segunda-feira, receberam a Folha sem a informação da morte do ministro _o que também aconteceu com a ombudsman.
A rodagem já havia começado quando saiu o comunicado oficial, por volta de 0h55, de acordo com a Redação. As máquinas pararam para esperar a troca, concluída em 20 minutos. Segundo o Departamento Industrial, ela atingiu 77% dos exemplares que circulam na Grande São Paulo.
Além da frustração pela ausência da notícia, três leitores reclamaram que, no dia seguinte, o quadro com o resultado do levantamento diário feito junto a assinantes o Datadia ostentava a capa de um jornal que não receberam, com a morte de Sérgio Motta na manchete.
Eleonora de Lucena, secretária de Redação, reconhece que, em casos como esse, o quadro deveria incluir esclarecimento ao leitor. Segundo ela, a Folha estudará a mudança.
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