renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Quase gêmeos
O alerta partiu de uma leitora. "As idéias e as palavras'' de Arnaldo Jabor em seu artigo do dia 21 de abril pareciam "muito familiares''. Depois de consultar o arquivo digital da Folha, ela descobriu de onde vinham: do próprio articulista, que publicara o mesmo texto, com poucas alterações, em 23 de janeiro de 1996.
A ombudsman refez o caminho e chegou a igual conclusão. Os artigos são "quase gêmeos'', como definiu a leitora.
No mais antigo, intitulado "Somos todos penetras no Primeiro Mundo'', Jabor discorre sobre o sentimento de inadequação que invade brasileiros em Nova York e a orfandade dos intelectuais de esquerda. Faz suas reflexões a caminho do Brasil.
O texto do dia 21 é um pouco mais curto (1.018 palavras, contra 1.100 do anterior). Jabor não está mais no avião. O comentário sobre os transeuntes na 5ª Avenida se desloca para a Broadway (veja no quadro abaixo). E o motorista de táxi com quem conversava se transforma em vendedor de cachorro-quente.
As diferenças terminam aí. Em números: 59% do que saiu na semana retrasada é reprodução literal do material de 1996; desconsideradas as alterações cosméticas, a intersecção sobe para 65%.
Entre essas mudanças estão a substituição de vocábulos "promessa" virou "esperança"; "alguns", "meus inimigos"; "gorjeta", "mixarias" e a introdução de expressões ou frases no meio de períodos antigos. Nos cinco primeiros parágrafos há apenas duas sentenças diferentes do original.
A descoberta da clonagem de Jabor não foi obra de um desafeto, mas sim de uma admiradora de seus artigos, que a Ilustrada traz desde 1991.
Professora de história, ela utilizou muitas dessas colunas para discussão com seus alunos. "Percebi imediatamente a 'semelhança' por ter analisado exaustivamente o artigo, tanto na época da publicação quanto depois'', relatou à ombudsman.
A primeira versão é um dos trabalhos de Jabor que mais a impressionaram. "Infelizmente, a 'republicação' nem sequer alcança, no meu entender, a fina qualidade do original.''
TRABALHO EM PROGRESSO
Em conversa telefônica com a ombudsman na quarta-feira, o ex-cineasta rejeitou de maneira veemente a idéia de que tenha produzido um clone a partir de seus próprios escritos.
"Os artigos são semelhantes'', disse em Nova York, onde mora. De lá envia as colaborações que a Folha e "O Globo'' publicam simultaneamente, além de gravar participações em telejornais da Rede Globo e no programa "Manhattan Connection'', do canal GNT.
Jabor considerou ter feito algo "comum'' e "perfeitamente plausível''. Argumentou que articulistas realizam um "trabalho em progresso'', no qual a repetição é intrínseca.
"Reutilizei trechos de idéias para tratar do mesmo tema'', afirmou. "Nelson Rodrigues fazia a mesma coisa.'' Confrontado com o fato de que, neste caso, o procedimento levou à reprodução literal de artigo anteriormente publicado, Jabor respondeu que "isso não tem importância''.
Por fim, em tom bastante inflamado, perguntou: "Você está sugerindo que eu deveria ter disfarçado melhor?'' É claro que não.
Jabor não cometeu plágio, esse sim o mais grave delito autoral. Mas tampouco agiu de forma "plausível'', como defendeu à ombudsman.
Tomados como regra geral, alguns de seus argumentos se sustentam. É sabido que boa parte dos colunistas se debruça continuamente sobre assuntos de sua predileção.
Nesse eterno retorno, idéias e palavras são repetidas, às vezes com aviso do próprio autor. Entusiasta ou crítico, o leitor sabe que encontrará uma dose de redundância pela frente, e não raro procura por ela.
SEM TRANSPARÊNCIA
No entanto, o que Jabor disse não resiste à comparação dos dois textos apontados pela leitora. Uma coisa é resgatar histórias e raciocínios. Outra, muito diferente, é republicar um artigo praticamente na íntegra sem nenhum tipo de esclarecimento ao leitor.
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