renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Futebol e dissonância
Seja qual for o resultado do jogo de hoje, a Folha sai do Mundial da França reconciliada, ao menos por ora, com uma parcela do leitorado havia muito tempo insatisfeita com sua cobertura de futebol.
O caderno Copa 98 é bonito e completo como nenhuma iniciativa anterior do jornal na área. Supera os concorrentes em aparência e substância.
Com títulos do tipo usado em revistas ''Não dá para não vencer'', ''Deu no sufoco'', ''Show'', suas capas buscam traduzir a emoção do esporte e conquistar o leitor-torcedor.
No entanto, nessa operação para cativá-lo, a Folha perdeu um pouco da identidade. Curiosamente, a Copa que o jornal acompanha de maneira mais ambiciosa é também aquela em que sua personalidade menos sobressai no cenário geral da imprensa.
A Folha e a torcida nem sempre se entenderam. Em 94, por exemplo, houve quem criticasse o jornal por levantar o caso das bagagens do vôo que trouxe dos EUA os campeões e convidados da CBF.
Investigar as compras que entraram no país sem passar pela alfândega seria procurar pêlo em ovo e, pior, desrespeitar os ''heróis do tetra''.
Desta vez, a Folha parece ter abdicado de seu papel tradicional de provocadora.
As limitações impostas ao trabalho da imprensa em Ozoir-la-Ferrière, onde a seleção brasileira esteve concentrada, contribuíram para uniformizar o relato dos jornais.
Mais do que em Mundiais anteriores, repórteres sobreviveram quase que exclusivamente das aspas distribuídas por jogadores e comissão técnica junto ao alambrado do campo de treinamento.
Sintoma dessa dieta magra, os dois furos relevantes da Folha a intervenção da CBF na convocação oficial e o movimento que resultou no corte de Romário foram anotados antes do início do torneio.
Capítulos inteiros do noticiário a ''crise na seleção'' após a derrota para a Noruega, o subsequente ''pacto pelo penta'' e o interminável ''o que está acontecendo com Ronaldinho?'' só variaram de tom, exatidão e equilíbrio de um jornal para outro.
A edição desperdiçou uma das raras oportunidades de exercício do contraponto surgidas ao longo da cobertura, a do pênalti cometido por Júnior Baiano contra a Noruega.
Não acho que a Folha deva ser cobrada por não ter cravado sozinha, no dia seguinte, que o juiz estava certo.
O jornal não tinha, àquela altura, elementos suficientes para tanto. Mas é de seu feitio destacar a dúvida em lances polêmicos, e isso não foi feito.
Outro indicador do discurso único que tomou conta da mídia foi a malhação de Pelé, condenado pelo crime de não ter apostado todas as fichas na pátria contra a Holanda e, após o jogo, ter questionado a movimentação de Taffarel em um dos pênaltis defendidos.
A propósito dessas declarações, o jornal publicou reportagem em que enumerava previsões frustradas do ex-jogador, lembrando ainda que no ano passado ele dizia que o Brasil ia mal nos amistosos.
Bem, ponderei na crítica interna, se fosse para relacionar todos os palpites não confirmados de comentaristas esportivos, as páginas do Copa 98 seriam insuficientes.
Não se trata de defender Pelé, que na vida já falou muita besteira, mas há alguma coisa errada quando a Folha se porta como Galvão Bueno.
Diante do massacre informativo da mídia eletrônica até treinos da seleção mereceram horário valioso de satélite, interpretação e análise tornaram-se os principais trunfos do jornal.
Mas até mesmo na opinião há pouca divergência. No papel e nas incontáveis mesas-redondas das TVs, assistiu-se nos últimos dias à canonização do outrora ''cabeça-dura'' Zagallo, como se não houvesse meio-termo entre ser gênio e fazer tudo errado.
Na Folha, conhecida e criticada por ser rabugenta, a coincidência de opiniões pôs no mesmo barco de entusiasmo colunistas como Alberto Helena Jr. e Juca Kfouri.
Molas-mestras da opinião esportiva do jornal, ambos têm seriedade profissional e currículo para achar o que quiserem sobre a seleção.
Mas o fato é que ficou faltando uma voz dissonante para avaliar o desempenho da equipe de Zagallo na reta final da Copa do Mundo.
Tenho a impressão de que o Copa 98 deixará como legado o projeto gráfico, bem-sucedido em sua ousadia, e a radicalização do uso das estatísticas na análise do jogo.
Para os leitores, satisfeitos com o produto segundo consultas diárias do jornal e manifestações à ombudsman, isso pode ter sido suficiente.
Mas ainda penso que a Folha poderia ter se diferenciado mais, não pelo expediente gratuito de ser do contra, mas pelo saudável exercício da dúvida, na crítica e no elogio.
Talvez ninguém queira ser chamado de agourento e correr o risco de ficar fora da festa do penta. Afinal, como escreveu José Geraldo Couto na edição de quinta, ''que coisa linda é o futebol _especialmente quando ganhamos'' .
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