renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Fim de festa
Depois de escorregar no ufanismo que tomou conta da imprensa antes do desastre na final da Copa, a Folha decidiu fazer jornalismo e se deu bem.
Na edição de quinta-feira, trouxe contribuição decisiva para esclarecer o que de fato aconteceu com Ronaldinho, 21, nas horas que antecederam a derrota da seleção brasileira diante da França.
Em resumo, a investigação do repórter José Henrique Mariante revelou que:
a) o jogador não teve convulsão, nem outro tipo de distúrbio de origem neurológica, mas sim uma crise nervosa;
b) o atacante já demonstrava alterações de comportamento havia alguns dias
c) o quadro de sintomas apresentado por ele naquela tarde alarmou seus companheiros e dividiu o grupo entre os que defendiam sua presença em campo e os que pediam sua substituição;
d) as duas facções se enfrentaram na concentração e depois no estádio, pouco antes do jogo, quando o técnico Zagallo voltou atrás na escalação de Edmundo e anunciou que Ronaldinho jogaria.
Assim o Brasil entrou em campo. A equipe anfitriã se mostrou bem menos desprezível, em talento e apetite, do que nossa cegueira triunfalista havia previsto.
Entre os leitores que comentaram o desfecho da Copa, a maioria elogiou o empenho da Folha em elucidar o episódio. Mas houve também quem pedisse ao jornal que parasse, ''pelo amor de Deus'', de falar em Ronaldinho.
Um leitor do segundo grupo considerou que a Folha errou ao colocar o problema com o jogador no centro da discussão. Para ele, isso obliterou 'à realidade de que teríamos perdido de qualquer jeito''.
Ponderei que é tarefa do jornal investigar um caso de enorme repercussão, no qual os envolvidos se portaram sem nenhuma transparência.
O leitor não mudou de idéia. Nem eu.
Mas, descontada sua previsão de resultado, exercício que a esta altura me parece ocioso, penso que ele toca em um ponto interessante.
De fato, apesar do reconhecimento posterior das fragilidades da seleção, a cobertura ainda transmite a impressão de que o incidente com Ronaldinho é o único responsável pelo 3 a 0 dos franceses.
Talvez isso ajude a explicar a passividade com que a imprensa reproduziu sucessivas versões oficiais nos primeiros dias após o fiasco na França.
Chama minha atenção o fato de que o furo da Folha não foi do tipo mirabolante, produto de expedientes heterodoxos, mas sim uma lição de casa muito bem feita.
O jornalista repórter de automobilismo que durante a Copa acompanhou outras seleções resgatou a história colhendo depoimentos de uma série de testemunhas e cruzando o material obtido.
De certa maneira, isso poderia ter sido feito por quem quer que estivesse realmente interessado em descobrir o que se passou no domingo.
Acho, no entanto, que parte da mídia repetiu o bordão ''o que aconteceu com Ronaldinho'' menos por disposição de esclarecer alguma coisa do que para alimentar a perplexidade do público _e a sua.
É mais confortável dar combustível a teses estapafúrdias epilepsia, envenenamento, ''venda'' do resultado do que reconhecer, diante do leitor/espectador, que participamos de uma fantasia coletiva em que os defeitos da seleção e os méritos alheios foram igualmente menosprezados.
*
Se diz que Ronaldinho 'àmarelou'', a imprensa desrespeita o jogador da mesma forma que o lateral Roberto Carlos, o primeiro a definir dessa maneira o que aconteceu a seu colega de quarto.
Igualmente equivocado é tratá-lo como vítima da mídia, discurso em voga. A mesma Rede Globo que contratou a namorada do atleta para servir de dublê de repórter na cobertura do Mundial agora pede respeito à privacidade a Ronaldinho. É ingênuo retirar do melhor jogador do mundo as escolhas que ele faz. Não dá para querer preservar da curiosidade pública um romance que já foi usado para vender refrigerante.
*
Quem acompanha os jornais, por gosto ou ofício, assistiu a um espetáculo único na semana que passou.
A imprensa esportiva, que já havia mudado seu discurso uma vez para se adequar às vitórias sobre Dinamarca e Holanda e antecipar a conquista final, trocou bruscamente de tom quando o que anunciara não se confirmou.
A Folha não escapou do fenômeno.
Antes ''iluminado'', Zagallo voltou a ser ''teimoso'' e ''ultrapassado''. As qualidades do capitão Dunga, referência obrigatória ao longo do torneio, desapareceram do noticiário. E ressurgiram as críticas à CBF, adormecidas na reta final da campanha pelo penta.
Seria apenas cômico, se não fosse também indicador de total falta de coerência e desrespeito à inteligência do leitor.
*
Um leitor critica a ombudsman por ter escrito, no domingo passado, que o caderno Copa 98 trouxe cobertura completa dos eventos do Mundial.
Ele não mora em São Paulo. Por essa razão, aos domingos seu exemplar registrava o resultado apenas da primeira partida do sábado (menos no fim-de-semana em que houve Brasil x Chile à tarde).
O leitor argumenta que não pode considerar completo um produto com essa limitação.
Tem toda a razão em reclamar de minha desatenção, pela qual peço desculpas.
Embora o horário de fechamento não seja determinado pela Redação, e sim por exigências industriais e de distribuição, o leitor não tem por que se considerar satisfeito.
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