renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Vem pra Bolsa você também
Baseada na experiência pessoal e na observação da vida alheia, definitivamente não acredito que seja fácil ganhar dinheiro. Mas o Folhainvest, caderno que circula às segundas-feiras desde 27 de julho, parece acreditar. Pelo menos transmite essa impressão.
O novo produto da Folha tem enviado ao leitor a seguinte mensagem: arrisque-se mais, ou, parodiando um antigo slogan de banco, vem pra Bolsa você também.
A leitura das três edições até agora publicadas fornece inúmeros exemplos desse entusiasmo pelos investimentos de renda variável.
A começar pelos títulos: ''Tire proveito da turbulência asiática'', ''Pode ser uma boa hora para investir em ações'', "Está na hora de aplicar nos hedge-funds'', ''Multiplique seu dinheiro no pregão''.
Os textos seguem a mesma linha. No material sobre as chances oferecidas pela crise asiática, um analista anima o investidor dizendo que ''se o presidente pressionar o Congresso para aprovar as reformas, dará fôlego à Bolsa''.
Reportagem intitulada ''Um bom pé-de-meia se faz na baixa'' conta a história de um jovem dentista que aproveitou a crise cambial mexicana de 1995 ''para garantir sua aposentadoria''. Fala o rapaz: ''compro ações há quatro anos, nem nas piores crises diminuí minhas posições e já ganhei muito dinheiro''.
O dentista, explica o texto, seguiu a fórmula ''de Buffet'', considerada ''infalível'' por seus adeptos. Esse megainvestidor ''só vai aos pregões quando as ações estão em baixa, acompanha os resultados das empresas que compõem sua carteira e deixa o resto por conta do tempo''.
Na seção ''Carteira'', dedicada ao perfil de investimentos dos muito ricos, é dito que Ronaldinho "amarelou no campo das finanças''. Segundo especialista entrevistado, ''com a idade e a renda que possui'', o craque da seleção brasileira e da Inter de Milão ''poderia se arriscar mais''.
Na semana seguinte, a apresentadora Xuxa recebeu crítica semelhante. Na segunda passada, o personagem foi o piloto André Ribeiro, feliz porque "encontrou seu porto seguro em Wall Street''.
Há dois problemas essenciais nessa concepção editorial. O mais grave é que o leitor não está sendo alertado, com a ênfase necessária, para os riscos envolvidos nas operações que lhe são sugeridas.
Advertências existem, mas diluídas no meio dos textos. Em um ponto bem avançado da matéria sobre a crise asiática, surge a frase: ''se a aplicação é de curto prazo, fuja das ações''.
Nenhum destaque.
Apenas no último parágrafo da história do dentista bem-sucedido o jornal esclarece que ''o investidor precisa saber avaliar preços de ações, estar informado sobre os resultados da empresa, acompanhar as mudanças na política econômica e seus impactos nos negócios. Enfim, precisa dispor de tempo e, sobretudo, dedicação''. A receita Warren Buffet já não parece infalível.
A propósito da mais recente reportagem de capa, com sugestões para o planejamento da aposentadoria, um leitor foi ao centro da questão.
''O caderno ensinou como se aposentar com um bom rendimento mensal desde que se invista em ações etc. O que não ficou bem evidente é que se trata de aposta de risco, talvez de alto risco, porque exige administrar uma carteira de ações, coisa que o comum dos mortais não sabe fazer'', escreveu à ombudsman.
Jornalismo equilibrado exige contraponto. Se o analista conta com os efeitos das reformas de FHC sobre as Bolsas, é conveniente ponderar que as chances de tal aprovação ocorrer no atual mandato são, como sabe qualquer observador do noticiário, remotas.
E que, no cenário mundial de turbulência, o desempenho das ações está longe de ser ditado apenas pelo que acontece dentro do país.
Ao lado do investidor que conseguiu resultados surpreendentes nas Bolsas, é adequado relatar também o caso de alguém que se deu mal seguindo esse caminho.
Se André Ribeiro é exemplo de sucesso, vale a pena lembrar que seu ex-colega de Indy Raul Boesel perdeu US$ 1,5 milhão em fundos de investimento ''de altíssima voltagem'', como descreveu recentemente a revista "Exame''.
O segundo problema a ser resolvido pelo Folhainvest é a distância entre as aplicações sugeridas e o cacife de boa parte do público do jornal.
A reportagem sobre aposentadoria sugere iniciar o ''pé-de-meia'' vendendo um carro de R$ 20 mil, ou, melhor ainda, um de R$ 46 mil.
Como escrevi aos jornalistas na crítica interna, suponho que uma parcela significativa dos leitores da Folha não tenha condições de realizar tal investimento inicial.
Em "Está na hora de aplicar nos hedge-funds'', explicação acima do título diz que esse tipo de investimento, caracterizado por atuação em vários mercados ao mesmo tempo, está se tornando ''popular''.
Perdida no meio do texto, a ressalva: "a aplicação inicial mínima é de R$ 10 mil''.
O Folhainvest nasceu de uma percepção acertada do jornal. Antes da estabilização da moeda, a orientação financeira basicamente sugeria formas de proteger o dinheiro do dragão inflacionário.
O quadro hoje é mais complexo, e o leitor busca orientação para expandir seus recursos e planejar o futuro.
O caderno vai ao encontro dessa necessidade. Tem sido bem recebido no levantamento diário que a Folha realiza junto aos assinantes.
O que não impede a ombudsman de considerar que, para bem servir o leitor, o Folhainvest precisa de ajustes.
O mais urgente deles é a sinalização clara dos riscos envolvidos nos investimentos que o caderno recomenda.
''Toda vez que falamos de uma aplicação, esclarecemos seu risco'', afirma a editora Mara Luquet, 32.
Não com a visibilidade devida. Se o jornal incentiva o leitor a ''multiplicar seu dinheiro no pregão'', tem a responsabilidade de dizer também, com todas as letras e muito destaque na página, que existe a chance de ele perder tudo.
Não se pode ser menos enfático do que isso se estão em jogo as economias do leitor.
Em segundo lugar, o Folhainvest tem de definir para quem está falando. Os muito ricos não precisam do caderno para decidir onde aplicar seu dinheiro. Decerto têm alguém sendo pago para isso.
Ao mesmo tempo, há muitos leitores que não dispõem de R$ 46 mil, e nem podem vender o carro, mas gostariam de preparar a aposentadoria.
Que não têm bala na agulha para ir aos ''hedge-funds'', mas procuram uma orientação mais independente que a das instituições interessadas em lhes vender seus produtos.
Há ainda um terceiro aspecto a ser trabalhado. Apesar de esforços localizados, a preocupação com o didatismo ainda não está disseminada no novo caderno.
"Esperava que ele fosse atender tanto a quem não entende nada do assunto quanto a quem tem mais conhecimento'', reclamou um leitor.
Não vale alegar que o assunto é árido.
Entre outras coisas, foi para tornar o universo das finanças compreensível para não-iniciados que surgiu o Folhainvest.
Em meio ao entusiasmo apostador de analistas e consultores, talvez não faça mal ao leitor levar em consideração o que disse o leigo Ronaldinho, que, afinal de contas, está melhor de finanças do que os jornalistas ou o especialista que lhe criticou a cautela: ''Prefiro ganhar menos a correr riscos'', declarou o jogador à Folha.
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