renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Acredite se quiser
De segunda a sábado, Cotidiano São Paulo nos exemplares da capital e região é um guarda-chuva noticioso que abriga de chacinas a pílulas de farinha, do rodízio a acidentes com atores de TV.
No domingo, dentro do espírito de revista que caracteriza essa edição, o caderno procura apresentar tendências de comportamento. É aí que as coisas têm se complicado.
Há uma semana, reportagem ocupando a capa e três páginas internas anunciava que ''os rituais sadomasoquistas estão saindo do escuro dos guetos para a moda das ruas e a cama dos casais''.
Na tentativa de demonstrar essa tese, o jornal reuniu o que pôde. Terapeutas ressaltando a importância da fantasia no relacionamento amoroso.
A moça que declarava admirar "essa estética'', vestindo-se de acordo (por mais tola que seja a pauta, sempre haverá alguém disposto a aparecer).
Estudos norte-americanos (quais?) estimando que ''há 20 homens sádicos para cada mulher masoquista''.
Acrescentava-se que ''numa cultura de submissão, como a brasileira, a gangorra pode estar mais próxima do equilíbrio''.
Preocupado com radicalismos, o texto ensinava que ''o culto à dor e à humilhação (...) passa a ser patológico quando não traz prazer''.
E, como jornalismo é serviço, incluiu-se glossário de termos sadomasoquistas, preços dos principais acessórios e a advertência: ''quem gosta de bater, amarrar ou encapuzar precisa adotar cuidados especiais com a segurança''.
Há tempos eu não via tanta bobagem reunida em uma única reportagem da Folha.
Como era preciso justificar o destaque dado ao assunto, o jornal informou que, atualmente, "embora não haja pesquisas a respeito, sabe-se que a parafernália S&M é mais empregada nos jogos eróticos, hetero e homossexuais''.
''Sabe-se'' como? Não havia resposta disponível. Tudo indica que o pronome apassivador serviu apenas para encobrir a realidade de que ninguém sabia de nada, e de que o ''fenômeno'' detectado pelo jornal tem a dimensão que sempre teve, ou seja, residual.
Não há problema em tratar de sadomasoquismo. É positivo que a Folha seja um jornal mais arejado, do ponto de vista da cobertura de costumes, do que seus concorrentes.
Existem ocasiões em que vale a pena abordar temas muito mais delicados do que sadomasoquismo, ainda que isso incomode a fatia mais conservadora do leitorado.
No ano do Viagra e do caso Clinton-Lewinsky, não faltam ''ganchos'' (no jargão, notícias que tornam as reportagens oportunas) para falar de sexo.
O problema está na obsessão pelo bizarro que se instalou na Folha.
Histórias como a de domingo passado se filiam a uma espécie de escola Jack Palance de jornalismo. Seu lema é "acredite se quiser''.
A reportagem em questão não é chocante. É patética. Tenta empurrar como ''tendência'' algo de pouca representatividade e nenhum ineditismo.
Se é que um dia funcionaram, fórmulas do tipo ''mãe rouba namorado da filha'' e ''transexual não comemora Dia dos Pais'' esgotaram suas possibilidades na Folha.
''Pegam duas pessoas que tenham vivido experiências semelhantes e criam uma matéria sobre qualquer assunto'', escreveu um leitor à ombudsman na semana que passou.
O truque, como se vê, não engana ninguém. É hora de aposentá-lo, antes que o leitor conclua que há coisa melhor para fazer no domingo.
*
Por falar em obsessões, na quarta-feira a Ilustrada deu amplo espaço a uma das suas: fotos ''polêmicas''.
A propósito de apresentar o trabalho do norte-americano Terry Richardson, o caderno trouxe em sua contracapa nada menos do que nove imagens feitas por ele.
Segundo texto que acompanhava o painel, Richardson inspira-se no ''universo underground'' e é ''um dos mais surpreendentes nomes em atividade no mercado editorial''.
Além do exagero quantitativo pouquíssimos assuntos merecem tantas fotos no disputado território de uma edição de jornal, a seleção das imagens deveria ter levado em conta o tamanho e a heterogeneidade do público da Folha.
É normal que a Ilustrada, pela natureza dos assuntos que acompanha, adote limites mais fluidos que os do restante do jornal. Ainda assim, não faz sentido obrigar o leitor a tomar café da manhã diante de um sujeito vomitando e de um gato sendo esganado.
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