renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Números em xeque
"Você acredita em pesquisas?"
Sozinha no meio da página de fax, a pergunta de certa forma resume os 93 protestos que recebi desde a noite de domingo, quando começaram a ser delineados os resultados do primeiro turno eleitoral.
É de longe o recorde de manifestações sobre um só assunto desde que assumi, em março, a função de ombudsman.
Muita coisa foi dita em resposta a esse barulho. Não o suficiente para evitar que os institutos de pesquisa, bem como a imprensa que divulga seus números, saiam arranhados da atual campanha. Uns mais, outros menos.
Mas ninguém escapa ileso.
Logo na segunda-feira, o Datafolha lançou um alerta que veio a se mostrar correto. A generalizada discrepância inicial entre resultados e levantamentos de boca-de-urna resultava do impacto do voto eletrônico sobre a apuração.
De contagem rápida, ele cobre as regiões mais desenvolvidas, onde se concentra o eleitorado oposicionista.
Apurados os votos em papel, boa parte dos prognósticos se confirmaram. Mas não todos eles.
O Ibope reconheceu pelo menos um erro: previu vitória de Joaquim Roriz (PMDB) sobre Cristovam Buarque (PT); os dois passaram para o segundo turno, mas em ordem inversa.
O instituto também apontou tendências que não se materializaram nos Estados de Goiás e Mato Grosso do Sul.
O Datafolha acertou os resultados finais nas dez unidades da federação onde realizou pesquisas, e indicou corretamente a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno.
Nem todos os candidatos, porém, obtiveram as votações anunciadas. Dos 36 principais, 23 (63,9%) ficaram dentro da margem de erro.
Entre os que não ficaram estão FHC (menos votos do que o previsto) e, em São Paulo, a petista Marta Suplicy (mais).
A Folha é o jornal que mais espaço tem dedicado à polêmica das pesquisas, o que em certa medida se explica pelo fato de trabalhar com um instituto que leva seu nome.
É do interesse do jornal desfazer dúvidas, em defesa do histórico de confiabilidade que o Datafolha construiu.
Infelizmente, esse espaço tem sido dedicado quase que exclusivamente a reafirmar, edição após edição, que não houve problema nenhum com os números do instituto.
É verdade que, dada a desconfiança que se instalou na opinião pública, o jornal precisa apontar seus acertos.
Mas o leitor quer e merece esclarecimento mais amplo do que o simples cotejo entre boca-de-urna e apuração.
Mesmo quando visto por esse critério, o desempenho de 98 é inferior ao de 94. Na pesquisa daquele ano, dos 36 principais candidatos nos Estados, 34 (94,4%) ficaram dentro da margem de erro.
Acredito que a novidade da urna eletrônica, em uma eleição na qual era preciso votar em cinco candidatos, tenha exercido um papel nessa queda.
De todo modo, não vejo motivo para festejar os 63,9%.
Seria importante tentar entender por que FHC terminou com votação inferior à esperada pelos institutos, de maneira geral, na boca-de-urna.
O Datafolha apontava que ele teria 52% do total de votos e 56% dos votos válidos (critério que descarta brancos e nulos e define ou não a eleição de um candidato no primeiro turno).
Encerrada a apuração, o presidente ficou com 43,14% do total de votos, contra 38,16% de seus adversários. Recebeu 53,06% dos válidos, contra 46,94% dos demais.
A discussão não é apenas matemática.
Esses números permitem enxergar que o país estava alguns milhões de votos mais próximo de um segundo turno presidencial do que foi previsto pelos institutos.
Por fim, o leitor vem pedindo ao jornal que não restrinja o debate à boca-de-urna, recuando, no mínimo, até a última pesquisa antes da eleição, aquela que muitos afirmam ter usado para decidir o voto.
São manifestações que dizem respeito, especialmente, à eleição paulista.
O Datafolha está certo quando lembra que foi o primeiro a detectar a chegada de Marta Suplicy ao bloco do segundo lugar, e que, na véspera da votação, seus números a colocavam em empate técnico com Francisco Rossi (PDT) e Mário Covas (PSDB).
Nesse episódio, não pesa sobre o instituto o constrangimento que recai sobre o Ibope, que no "Jornal Nacional" do mesmo dia limitou a disputa pela vaga a Covas e Rossi.
Mas é preciso se colocar na posição do (e)leitor que, ao ver Marta no "pé" da trinca embolada, decidiu-se por Covas, e foi surpreendido pela estreita diferença que definiu a ida do tucano para o segundo turno.
Mais do que uma explicação sobre o conceito de empate técnico, o jornal deve a esse leitor investigação sobre os fatores que determinaram a arrancada final da petista.
Nem que seja para, ao final desse trabalho, reconhecer que não sabe bem o que aconteceu.
A ombudsman não participa do coro por maiores restrições à divulgação de pesquisas que ganhou força nos últimos dias.
Lamento a negligência com que foi tratado pela imprensa o fato de a boca-de-urna ter sido anunciada com a votação ainda em curso, prática que não vejo como defender.
Como regra geral, porém, prevalece o direito do público à informação_correta, bem entendido. Se houve problemas com as pesquisas, os institutos têm de se explicar. Mas não tenho dúvidas de que o eleitor estaria em situação pior se dependesse dos candidatos para avaliar a situação das disputas.
"Que continuem as pesquisas e fiquem cada vez mais verdadeiras", escreveu Luís Fernando Verissimo no "Jornal do Brasil".
No entanto, tão prudente quanto desconfiar dos recém-surgidos "caçadores de pesquisas" é não embarcar na tese de que tudo o que ocorreu esta semana foi histeria de desinformados. Não foi.
O leitor que alega ter se fiado nos números e agora reclama não é tolo.
Acontece que pesquisa foi quase a única coisa que ele recebeu da imprensa, a Folha incluída, nesta campanha eleitoral.
Com um pouco de sorte, acho que essa confusão toda pode ter efeitos benéficos sobre os envolvidos.
Para o jornal, oferece a oportunidade de rever um modelo de cobertura que dá sinais claros de esgotamento.
Para os institutos, traz o imperativo de maior transparência, o que é sempre positivo.
Quanto ao leitor, recebeu um aviso. Pesquisas acertam e erram, e é sempre bom lembrar disso na hora de votar.
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