renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
A conta do hotel
Alguém está errado no episódio da conta de hotel do ministro das Comunicações: o próprio ou a Folha.
Não há terceira hipótese. Alguma hora o leitor terá de saber qual das duas procede.
No dia 9 passado, o jornal noticiou que a hospedagem de Luiz Carlos Mendonça de Barros em Madri, parte de um roteiro realizado, segundo ele, para "acalmar investidores estrangeiros'', fora paga pela Telefónica de España.
Uma noite do ministro no Palace teria custado US$ 520 à empresa, a maior do setor de telefonia a operar no Brasil depois da privatização da Telebrás. De acordo com a reportagem, Mendonça de Barros só arcou com os extras.
Nas edições subsequentes, ele negou a informação, ameaçou demitir-se e processar a Folha. Falou em provas que desmentiriam o jornal.
Este, além de sustentar o que publicara, divulgou com destaque o pedido de um deputado do PT para que o Congresso investigue o caso. Cinco leitores procuraram a ombudsman para comentar o embate.
Quatro com críticas à Folha. Em resumo, acham que se trata de ''história menor'' e "explorada demais''.
Quanto ao primeiro ponto, penso que o destaque inicial foi compatível com a posição dos personagens envolvidos.
A cultura política brasileira é bastante permissiva no que diz respeito às relações entre governo e iniciativa privada.
Nessa matéria, é preferível correr o risco de exagerar na intransigência do que pecar por excesso de credulidade.
Concordo, no entanto, com a sensação de leitores de que o assunto foi martelado além da conta ao longo da semana.
Cada história tem seu tamanho.
Existem escândalos e impropriedades.
Se de fato ocorreu e por aí parou, a ''cortesia'' da Telefónica ao ministro se encaixa no segundo grupo.
O cenário mudou na quinta-feira.
Depois de sete dias, o ministro apresentou cópia de fatura mostrando que as despesas no hotel, diária incluída, teriam sido pagas por ele com cartão de crédito, totalizando US$ 231.
Em resposta, a Folha trouxe diálogos gravados que manteve com funcionários do hotel e da agência de viagens que presta serviços à Telefónica.
Várias perguntas permanecem no ar. Mendonça de Barros não explicou, por exemplo, como conseguiu pagar pela suíte preço irrisório em relação ao da tabela (US$ 1.126; os US$ 520 apurados pelo jornal já incluem descontos destinados a clientes especiais).
Apesar das incongruências no discurso do ministro, a situação no momento é a seguinte: ele diz uma coisa, a Folha diz outra. A menos que se revele forjada ou mesmo incompleta, a fatura fala mais alto do que as conversas.
Por isso, se antes o jornal parecia prolongar o caso mais do que o necessário, agora tem de apurá-lo até que as coisas sejam esclarecidas de vez.
Não será fácil. Candidato a novo ministério no segundo mandato, Mendonça de Barros fará o possível para colocar ponto final na história. Os espanhóis não têm interesse em lhe criar problemas.
Contudo, a Folha não deveria deixar que seja aplicada a seu jornalismo a noção de que no Brasil tudo fica por isso mesmo. O jornal acusa, o ministro nega, o leitor não sabe quem tem razão.
Se perseverar na investigação e descobrir que errou, que seja reconhecida a ''barriga''. Seria constrangedor, mas toca-se a bola para frente.
Se puder demonstrar que o problema está na papelada apresentada pelo ministro, então o caso será bem mais grave do que parecia.
*
O Folhainvest não sugere mais ao leitor que ''multiplique seu dinheiro no pregão''. O caderno sofreu um saudável choque de realidade, mesmo porque o terremoto financeiro não lhe deixou alternativa.
Mas aqui e ali ainda recai no faz-de-conta das primeiras edições. Foi o que fez na segunda-feira passada, quando desperdiçou uma boa idéia.
Tendo como gancho o Dia da Criança, a reportagem de capa recomendava aos pais aplicações de longo prazo destinadas a custear os estudos dos filhos até a universidade.
Assunto, portanto, de elevado interesse para parcela majoritária do público do jornal.
O problema estava nas simulações apresentadas para atingir os valores finais (R$ 41.500 em um cenário, R$ 83.500 no outro).
"Algumas propunham depósitos iniciais de R$ 30, 50% em renda variável e 50% em renda fixa'', observou um leitor, economista de Brasília. "Eu gostaria de saber em que bancos posso fazer aplicações iniciais ou mensais de R$ 15 em fundos de investimento.''
Resposta: em nenhum dos 27 fundos, de 8 instituições, que constam de lista enviada à ombudsman pela editora do Folhainvest, Mara Luquet.
Nessa relação, apenas dois fundos aceitam aplicação inicial inferior a R$ 100, e em quatro é possível realizar depósitos adicionais abaixo desse valor. Boa parte das simulações mostradas no jornal previa contribuições mensais bem mais modestas.
A jornalista argumenta que isso não compromete o resultado da reportagem. ''Procuramos mostrar que, para acumular reservas, não é preciso dispor de grandes valores mensais, desde que se pense a longo prazo'', diz.
Acrescenta que alguns bancos ''desenham a carteira ideal para o cliente, levando em conta o valor de que ele pode dispor mensalmente''.
No final de suas ponderações, lembra que, ''como o próprio leitor diz, os quadros fazem a ressalva de que a simulação não considera os valores mínimos para aplicação''.
De fato, o leitor mencionou esse ponto em sua carta, mas para reclamar de que a advertência ''saiu apenas no rodapé, em tamanho mínimo''.
Ou seja, o Folhainvest continua a não ver problema em subestimar informações básicas à orientação do leitor.
Mais do que isso, por que não usar parâmetros como os que foram encaminhados à ombudsman para adequar as simulações a valores mais condizentes com os exigidos pela maioria dos bancos?
''Já estou vendo pais procurando os bancos e se frustrando'', concluiu o economista.
Na quinta-feira, o jornal publicou no ''Painel do Leitor'' carta elogiando a reportagem por ensinar ''como a classe média tem condições de dar formação excelente para seus filhos economizando o dinheiro do chope do fim da tarde''.
Como não acredito que seja esse o fator que vá limitar os esforços do leitor da Folha para educar seus filhos, penso que ele merece tratamento melhor do que vem recebendo.
Na mesma edição, ao lado das tabelas mencionadas, um texto intitulado ''Futuro é o presente do Dia da Criança'' falava sobre o pai que trocou brinquedos por um plano de previdência para cada um de seus três filhos.
Em vez de apenas contar a história, o Folhainvest tratou de declarar, logo de saída, o nome do plano escolhido ''para a garotada''. Nem sinal de preocupação para evitar esse tipo de propaganda gratuita.
O caderno nasceu para prestar ao leitor serviço de enorme relevância. Aos três meses de vida, ainda oscila entre encarar essa tarefa e servir de vitrine para os fundos e seus administradores.
*
Reproduzo protesto enviado no dia 8 pelo editor-chefe de ''O Globo'', Ali Kamel, contra minha observação de que o jornal escondeu a declaração de FHC acenando com aumento de impostos:
'' 'O Globo' repele com veemência a insinuação, descabida, de que teria favorecido o governo ao destacar, em manchete, o corte de gastos anunciado por FH em 23 de setembro, e não possível aumento de impostos, como fez a Folha.
O corte de gastos foi considerado novidade, já que a possibilidade de aumento de impostos tinha sido manchete do 'Globo' apenas dois dias antes, nos seguintes termos: 'Governo já não descarta o aumento de impostos'. 'O Globo', portanto, não escondeu nada, nem favoreceu a quem quer que seja.
A isenção e a imparcialidade do 'Globo' são atestadas pela imensa maioria de seus leitores na pesquisa diária que realizamos.''
Em resposta, lembro que ''O Globo'' não se limitou a escolher outra manchete no dia em que o presidente da República avisou ao país, pela primeira vez, que ''talvez'' fosse preciso aumentar impostos. Foi o único jornal importante a simplesmente suprimir essa informação de sua capa.
Tal atitude só comporta uma entre duas explicações: falta de senso de notícia, e não acredito que seja o caso, ou tentativa primária de edulcorar a realidade em benefício do governo.
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