renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Salários embaralhados
Na segunda-feira passada, a Folha trouxe o resultado de um levantamento salarial que realizou nas Assembléias Legislativas do país.
O título principal: "Deputado estadual ganha até R$ 58 mil por mês". Era o caso de Alagoas, campeão da farra.
A conclusão geral: "alheios aos cortes de gastos determinados pelo governo federal em virtude do pacote fiscal, os Legislativos estaduais mantêm benefícios e verbas extraordinárias que 'engordam' os salários dos deputados".
Se já alarmava como valor absoluto, o custo do parlamentar alagoano impressionava ainda mais quando comparado à remuneração em outros Estados. Em São Paulo, por exemplo, ela é de R$ 6 mil.
Estaria tudo muito bem, e o debate sobre o desperdício de dinheiro público teria recebido contribuição relevante da Folha, não fosse o fato de a reportagem conter um defeito de origem.
Ela comparava locais onde o deputado recebe um valor que engloba salário, benefícios e dinheiro para remunerar seus assessores com outros em que apenas o salário é depositado em sua conta, e os outros itens são computados separadamente.
Alagoas se enquadra na primeira categoria. São Paulo, na segunda.
Tudo somado, o gasto do Legislativo paulista com cada um de seus membros supera o do alagoano. É de R$ 66,1 mil.
Em resumo, o jornal comparou laranjas com bananas, definição exata que ouvi.
Ao se dar conta da confusão, a Folha publicou texto explicativo. Um tanto eufemístico, ele dizia que a reportagem do dia anterior "poderia dar a entender que os deputados alagoanos recebem R$ 58 mil mensais apenas para si".
"Poderia" não. A afirmação foi feita, e em título. Em nome da transparência, o esclarecimento deveria ter saído não sob a rubrica "Assembléias Legislativas", e sim abaixo do enunciado "Erramos".
Os problemas não pararam por aí. Até agora, o levantamento foi objeto de duas retificações na página 3 do jornal.
Na primeira, corrigiu-se (para baixo) o valor da remuneração dos deputados do Ceará. Na segunda, o mesmo foi feito com o salário-base e a verba de gabinete dos de Alagoas.
Não se trata de defender os deputados.
O problema que o jornal buscou retratar existe. Gabinetes com até 30 funcionários, verbas de todo tipo, justificativas como "o Judiciário e o Executivo também têm suas vantagens", nas palavras de um deputado do Pará. Enfim, um universo paralelo bancado pelo contribuinte.
O próprio expediente de entregar ao parlamentar a tarefa de distribuir dinheiro entre seus assessores merece exame. Pelos exemplos relatados, abre caminho para irregularidades.
Mas não há assunto, por relevante que seja, que resista à ausência de rigor na apuração e a conclusões improcedentes.
Às vezes, a ombudsman se vê diante de casos multifacetados. Mas este dos salários dos deputados estaduais comporta um diagnóstico bastante simples.
É um exemplo de desleixo que põe a perder qualquer esforço investigativo, e acaba por arranhar a credibilidade do jornal.
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