renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Pelo telefone
A Folha não poupou esforços no acompanhamento do processo de privatizacão das empresas do sistema Telebrás.
É verdade que parte substancial das informações sobre a venda, concretizada em 29 de julho passado, só foi conhecida quatro meses depois, quando veio à tona o episódio do grampo no BNDES.
Essa deficiência, no entanto, não foi exclusividade da Folha.
No dia-a-dia e em cadernos especiais, o jornal soube cercar o leilão e seus preparativos da atenção que o assunto merecia, assim como fizera com a outra privatização "de ponta" do governo Fernando Henrique, a da Companhia Vale do Rio Doce.
O problema é que todo esse empenho desapareceu tão logo foi batido o martelo. Na virada do ano, vários indícios me levaram a concluir que a Folha vinha negligenciando os interesses de seu leitor, usuário da rede privatizada.
Um protesto contra os serviços da Telefónica de España, que comprou a Telesp (agora Telefônica), na seção de cartas. Outro relatado na seção "A Cidade é Sua", dedicada à defesa do consumidor. Dois casos de teor semelhante atendidos por mim e levados ao conhecimento da Redação.
Outras questões, menos concretas, também estavam passando despercebidas. Em artigos, Clóvis Rossi e Marcelo Coelho haviam chamado a atenção para aspectos culturais do conteúdo da propaganda da empresa à nova cor dos orelhões envolvidos na mudança de gestão.
Tudo somado, sobravam motivos para despertar o interesse da reportagem, mas não se enxergava nem sinal dele.
Manifestei minhas preocupações na crítica interna de segunda- feira passada, mesmo dia em que a "Folha da Tarde" deu em manchete a informação de que a Telefônica estava instalando aparelhos sem linha para parte dos inscritos no Plano de Expansão.
Em resposta às reclamações de clientes, a empresa disse ao jornal, diário de circulação paulistana do mesmo grupo que edita a Folha, que a prática visa acelerar a entrega, e que as linhas estarão funcionando até o fim de março.
Observei na crítica que, procedendo ou não a justificativa, a Folha precisava apurar a história, por seu óbvio caráter de serviço e pela ênfase com que a Telefônica anuncia ser mais ágil do que sua antecessora na instalação de linhas.
Aguardei a reação no dia seguinte. Ela não poderia ter sido pior.
Na esteira da revelação da "Folha da Tarde", o "Estado de S. Paulo" levou o assunto para a capa como segundo principal destaque.
A chamada começava com a seguinte afirmação: "A Telefônica, que desde agosto administra o antigo sistema da Telesp em São Paulo, vem apresentando qualidade de serviços inversamente proporcional ao seu volume de propaganda".
Enquanto isso, o título da Folha, escondido na página 2-9, dizia: "Telefônica promete 2 milhões de linhas em 99". No texto, destacavam-se declarações da empresa como "estamos fazendo em 12 meses o que a Telesp realizou nos últimos 26 anos".
Nem sombra das informações levantadas pela "Folha da Tarde", quanto mais de avanço na investigação. Ou seja, quando finalmente decidiu entrar no caso, a Folha o fez com uma pseudo-reportagem que serviu apenas para a Telefônica falar o que bem entendeu, sem ser submetida a questionamento.
Escrevi na crítica de terça-feira que teria sido melhor não gastar papel e deixar tudo por conta do anúncio da empresa que ocupava uma página do primeiro caderno naquela edição.
Com frequência, diante de textos como o dos "26 anos em 12 meses", leitores procuram a ombudsman para acusar o jornal de falta de independência.
Sem desconsiderar que foi exatamente esse o efeito provocado pela matéria em questão, aposto em uma explicação mais simples para o desastre: um misto de preguiça e descaso para com temas sem grande potencial de espetáculo, embora de impacto decisivo sobre o cotidiano do leitor.
Na divisão adotada pela Folha, o noticiário relativo à venda de estatais é publicado no caderno Brasil; uma vez privatizadas, as empresas são assunto de Dinheiro.
Nada tenho contra esse critério. Do ponto de vista do leitor, o essencial é que as informações saiam no jornal, com o destaque devido.
O problema é que, nessa lógica de escaninhos, ficou esquecida a vigilância sobre a qualidade dos serviços. Para usar uma gíria apropriada ao tema, demorou para cair a ficha.
Não é a primeira vez que isso acontece. No verão do ano passado, a mesma conjunção de fatores fez com que o jornal chegasse atrasado à cobertura dos blecautes no Rio e de sua relação com problemas na Light privatizada.
Em benefício da Folha é preciso registrar que o episódio da Telefônica não foi um daqueles em que o jornal se recusa a reconhecer que errou.
Quer em função dos comentários da ombudsman, quer a partir de sua própria avaliação de que as coisas não andavam bem, na quarta-feira a Folha começou a se mexer.
Durante dois dias, recuperou histórias que haviam saído em outros jornais, às vezes conseguindo enriquecê-las com novos elementos.
Na sexta- feira, revelou que as gravações informando mudança de número de telefone estão sendo mantidas em operação por um prazo inferior ao estabelecido no plano de metas de qualidade aprovado pelo governo.
Mostrou ainda que a lista de 99 para a cidade de São Paulo contém o futuro número de alguns assinantes, mas não seus atuais telefones.
De acordo com a Secretaria de Redação, o investimento no assunto prosseguiria na edição de hoje. Não se trata de satanizar a privatização, especialmente em uma área na qual, antes dela, a precariedade era regra _a Telerj é exemplo até mais flagrante disso.
Na coluna de domingo passado, critiquei uma reportagem do jornal que comparava rodovias concedidas à iniciativa privada com outras administradas pelo Estado.
Ela apontava melhor situação das primeiras, sem no entanto esclarecer, entre as qualidades enumeradas, quais deveriam ser creditadas à nova gestão.
Pelo avesso, a observação vale para os atuais transtornos com telefones. É necessário distinguir as causas novas daquelas herdadas da administração estatal.
Esse é um ponto. O outro consiste em fiscalizar o cumprimento das metas estipuladas para as empresas, e a atuação da agência (Anatel) criada para regular sua ação. É o serviço mais importante que o jornal pode prestar nessa cobertura.
Há duas semanas, em uma espécie de balanço de final de ano, reproduzi aqui, entre outras manifestações, a de uma leitora que me escreveu na época da venda da Telebrás.
Ela pedia ao jornal mais ênfase nos aspectos da privatização ligados ao consumidor, sob o argumento de que, "para 99% da população, não interessa se foi o maior leilão do planeta. (...) Nossa maior preocupação é quanto às linhas". Continua sendo.
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