renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Teoria da conspiração
A Folha perdeu a oportunidade de se diferenciar, de maneira positiva, do festival de irracionalidade que tomou conta da imprensa na cobertura do Oscar.
O jornal não chegou a ganhar o prêmio de histeria. A TV é imbatível nessa categoria.
Mas tampouco conseguiu firmar uma linha editorial que confrontasse a expectativa exagerada em torno das chances brasileiras e a teoria da conspiração construída para justificar as derrotas de "Central do Brasil" diante de "A Vida é Bela" e de Fernanda Montenegro para Gwyneth Paltrow.
De acordo com essa teoria, só os milhões de dólares da produtora Miramax explicam a vitória dos algozes _bem como a de "Shakespeare Apaixonado", estrelado por Paltrow, sobre "O Resgate do Soldado Ryan", de Steven Spielberg, como filme do ano.
Não fosse a marmelada, o produto nacional teria vencido em ambas as categorias a que foi indicado.
O raciocínio inclui a oposição entre "Central", uma obra "autêntica", e a produção italiana, concebida "para agradar a Academia".
A Folha até que demorou a embarcar no delírio coletivo.
Nas semanas que antecederam a premiação, enquanto em várias publicações já se respirava a atmosfera "o Oscar é nosso", tratou o assunto de forma equilibrada.
Mas, na reta final, o jornal se perdeu na euforia generalizada.
A três dias da cerimônia, por exemplo, trouxe em alto de página um título afirmando que os críticos italianos estavam torcendo para o filme brasileiro. Universo da enquete: seis pessoas.
Na edição seguinte, chegou a idêntica constatação a respeito dos críticos americanos. Desta vez foram ouvidas três pessoas, sendo que uma delas nada dizia sobre "Central", limitando-se a elogiar sua protagonista.
O pior, no entanto, veio na terça-feira passada (devido à diferença de fuso horário, foi nesse dia que os jornais recuperaram extensivamente o noticiário da festa em Los Angeles).
O título da capa da Ilustrada dizia o seguinte: "Oscar do dinheiro causa polêmica".
Era uma alusão ao investimento da Miramax na promoção de seus candidatos.
Vamos deixar de lado o fato de que "causa polêmica" é uma expressão surrada e carente de significado.
O principal problema da conclusão geral da Folha era transmitir a falsa idéia de que as edições anteriores do prêmio não foram "do dinheiro". Foram do quê, então?
Está claro que houve campanha pesada. Mas essa é uma das regras do jogo do Oscar. A suspeita de lobby irregular permanece sem comprovação.
De todo modo, é descabido avaliar como fez, indiretamente, a Ilustrada de terça-feira que, não fosse pelo lobby, Fernanda Montenegro teria sido a escolhida.
Como bem observou no "Estado" o crítico Luiz Carlos Merten, Paltrow não venceu pelo que já fez, mas pelo que a indústria do cinema acredita que ela possa fazer. Essa é outra regra.
Agora, não gostamos mais do jogo. Ele é "comercial" (não foi sempre?). A festa, "cafona" (idem). Seria o caso de perguntar por que então aceitamos participar, animados como a seleção dos EUA quando se classifica para a Copa do Mundo de futebol.
Esta foi uma cobertura em que a Folha pecou menos pelo que fez do que pelas coisas que deixou de fazer. Mais dos que os concorrentes, o jornal abriu espaço para a Miramax apresentar sua versão.
Poderia, no entanto, ter ido mais longe, demonstrando, com números da DreamWorks (Spielberg) e de campanhas anteriores, a falácia da tese do tostão contra o milhão.
Também teria sido útil dar uma dimensão mais clara do que é, nos EUA, o fenômeno "A Vida é Bela", maior bilheteria já registrada por uma produção de língua estrangeira naquele país.
Quanto a "Central do Brasil", reconhecer seus méritos não implica ignorar o que a própria Folha, meses atrás, escreveu: também o filme de Walter Salles reúne uma boa dose de ingredientes "para agradar a Academia".
O jornal simplesmente esqueceu dessa análise enquanto registrava, sem apresentar ressalvas, as queixas do produtor de "Central" , Arthur Cohn, quanto à alegada injustiça das premiações.
Por fim, teria sido saudável ver alguém desafiar o coro de que o diretor e a atriz reagiram "com elegância" ao resultado.
Coisa nenhuma. A entrevista de Fernanda Montenegro no "Jornal Nacional" de terça-feira, decretando que o filme de Roberto Benigni "não merecia ganhar, e ele sabe disso", mostra que pessoas de extraordinário talento estão tão aptas quanto as demais a dar declarações infelizes.
Comentaristas lançaram impropérios contra Benigni, Sophia Loren (que lhe entregou a estatueta) e a moça "que parece modelo de Calvin Klein", como descreveu uma crítica italiana (a inveja é algo mais avassalador do que o lobby da Miramax).
A avalanche, embora irracional, é até certo ponto inofensiva.
Mas vender ou simplesmente não desmontar a idéia de que os brasileiros foram trapaceados vai muito além disso. É um embuste.
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