renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Na fila do banco
Foi reprisado, há uma semana, um filme que havia sido exibido na época da revelação do grampo no BNDES.
Resumo do enredo: as revistas deram as cartas na cobertura do caso Marka. Salvo por uma ou outra novidade periférica (como a reportagem de "O Globo" mostrando que o banqueiro Salvatore Cacciola passou uma casa para o nome da ex-mulher pouco antes de ter os bens bloqueados), os jornais se limitaram, no domingo e na segunda-feira, a repercutir informações levantadas por "Veja", "Época" e "Isto É".
Do bilhete de Cacciola para Francisco Lopes à introdução no noticiário dos irmãos Sérgio e Luiz Bragança, amigos do ex-presidente do Banco Central, o que havia para ser lido estava nas revistas.
Na verdade, o processo teve início com a edição anterior de "Veja", que havia ditado a reação do governo e dos demais veículos de comunicação ao relatar conversas em que Cacciola teria dito que recebia informações privilegiadas do BC. Pouco se avançou depois dessa fornada de revelações.
Dos itens colhidos no circuito CPI-Ministério Público-Polícia Federal, o que mais barulho causou foi a suspeita de que Francisco Lopes tenha cerca de US$ 1,6 milhão depositado no exterior.
Na terça-feira, a "Gazeta Mercantil" dizia que, ao operar nos bastidores para adiar o depoimento de Lopes aos senadores, o governo pretendia "aguardar a publicação das revistas" neste fim-de-semana.
A idéia seria "dar tempo à imprensa para que ela torne pública toda a munição que for capaz de reunir contra o BC". Se o governo decidiu se pautar pelo conteúdo das revistas, problema dele.
A questão é saber se os jornais também não resolveram sentar e esperar pelo que elas têm a dizer.
O leitor conhece o fenômeno: quanto mais ruidoso o escândalo, maior a ansiedade dos veículos para carimbar "exclusivo" em seus achados.
É um recurso para tentar convencer o público de que o produto é superior ao dos concorrentes e, se possível, impulsionar vendas. Serve também para alimentar a vaidade dos jornalistas.
Deveria ser usado com critério, para destacar descobertas relevantes e de fato indisponíveis em outros lugares. Na prática, o que se vê é a multiplicação de citações autopromocionais, motivadas por informações menores e não raro compartilhadas com outros jornais ou revistas.
A Folha anda louca para anunciar furos na cobertura da CPI dos Bancos. A preocupação faz sentido, porque o jornal não vem bem no caso. Até agora, suas contribuições foram poucas, nenhuma determinante.
Mas apelar não resolve o problema. No domingo passado, o texto da manchete alardeava o fato de a Folha ter "revelado", no dia anterior, a "existência" do bilhete de Cacciola para Francisco Lopes.
Naquele mesmo sábado, a "Isto É" não apenas revelava a existência do papel, como também o reproduzia. Um mínimo de bom senso teria evitado o constrangimento.
Embora mereça registro, a dificuldade do jornal para se mover nos subterrâneos das investigações sobre o sistema financeiro chega a ser compreensível. Não são histórias de fácil apuração.
O que não dá para entender é a ausência de itens básicos no material que a Folha publica.
Exemplo: no final de semana passado, "O Globo", "Estado" e "Isto É" trouxeram entrevistas com Luiz Antônio Gonçalves, presidente do FonteCindam, o banco que o governo socorreu, junto com o Marka, dos efeitos da desvalorização do real. Até ontem, esse personagem havia se manifestado na Folha apenas em uma ou outra declaração perdida no meio de textos. Não é possível que o jornal só tenha acesso a representantes do mercado financeiro na hora de recomendar ao leitor que invista em seus fundos.
Outro exemplo: na terça-feira, "O Globo" dedicou uma página às discussões que vêm sendo travadas, especialmente depois da apreensão de documentos na casa de Francisco Lopes, a respeito das atribuições do Ministério Público. Na quarta e na quinta, o jornal do Rio procurou mostrar o que diz a legislação, no Brasil e em outros países, sobre o uso de informações privilegiadas por agentes do mercado.
As duas são típicas providências que a Folha costumava tomar, e antes dos concorrentes.
Não é que a máfia da propina tenha desaparecido das páginas do jornal. O assunto continua a ganhar a maioria das capas do terceiro caderno e chamadas quase que diárias na Primeira Página.
A Folha segue tomando furos e dando outros, como a revelação, na quarta-feira, de que entre as contratações inexplicáveis do Anhembi estão três "fantasmas" ligados ao empresário Jorge Yunes, que emprestou R$ 600 mil ao prefeito Celso Pitta. Mas é inegável que o caso perdeu fôlego nos últimos dias, eclipsado pela CPI dos Bancos.
A Folha deve desafiar a noção de que um escândalo enterra o outro, seja porque ela contraria a expectativa do leitor, seja porque o jornal demorou muito até encontrar um caminho na investigação da prefeitura. Seria uma pena abandoná-lo.
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