renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Histórias mal contadas
A semana que passou não foi fácil para a Folha.
Primeiro, "Veja" fez barulho relatando a suspeita de que Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka, teria um informante no Banco Central.
A despeito das limitações técnicas da reportagem, apoiada em supostos relatos do banqueiro a interlocutores que só vieram a ser identificados na edição que está hoje nas bancas, a revista pautou a reação do governo e o rumo do noticiário.
Depois, "O Globo" mostrou que, enquanto o BC socorria o Marka da desvalorização do real, Cacciola despachava R$ 17 milhões para um paraíso fiscal.
A tudo isso a Folha assistiu com visível dificuldade para reagir e mesmo para fornecer a seu leitor as mais básicas informações de apoio (para citar apenas um exemplo, até ontem o jornal não havia publicado um perfil decente sobre a trajetória de Cacciola no mercado financeiro).
A Folha só começou a tirar o pé da lama na sexta-feira, quando revelou que:
a) foi de R$ 1,5 bilhão o prejuízo do BC com a ajuda ao Marka e ao FonteCindam, o outro banco beneficiado;
b) foram duas, e não uma, como havia sido divulgado, as operações oficiais no Marka. Infelizmente, no dia em que a reportagem ofereceu uma das suas contribuições mais relevantes, até agora, à elucidação do caso, a edição não lhe fez justiça.
A manchete do jornal destacava o depoimento do presidente do BC, Armínio Fraga, à CPI dos Bancos. Não houve título na Primeira Página para as revelações, apenas registradas no meio do texto principal.
A comparação com outros veículos nem sempre é o melhor parâmetro para avaliar a cobertura. Muitas vezes, o exercício mais entretém o jornalista do que atende as necessidades do leitor.
Mas a escassez de furos da Folha indica dificuldade para avançar quando as informações não caem do céu e tampouco podem ser repassadas ao público de bate-pronto, sob pena de o jornal servir a interesses que não os do leitor.
Em outras palavras, quando é preciso investir tempo e mão-de-obra qualificada na apuração dos bastidores da notícia.
Se seguir o roteiro que convém ao governo, o jornal restringirá ao Marka uma investigação que deveria ter escopo mais amplo, para esclarecer suspeitas de que bancos teriam lucrado com informações antecipadas sobre a desvalorização e discutir o sistema que permite ao BC agir como agiu.
Se não for assim, o Marka será para a atual CPI o bode expiatório que o Banco Vetor foi para a dos Precatórios. Tudo seguirá do mesmo jeito até o próximo socorro incompreensível.
O caso Marka é a mais recente de muitas histórias mal contadas que circulam no noticiário: a do blecaute nas regiões Sul e Sudeste, a do grampo no BNDES, a do incêndio que sucedeu a revelação de desvio de dinheiro em Goiás. Basta puxar pela memória que outras virão.
É comum o leitor procurar a ombudsman para falar dessas histórias. Os detalhes mudam de uma conversa para outra, mas a reivindicação é sempre a mesma: empenho do jornal para desvendar "o que de fato aconteceu".
Recebi uma dessas cartas na quinta-feira. Ela tratava de um outro episódio nebuloso, o do calouro da medicina da USP encontrado morto na piscina da faculdade, no dia seguinte ao do trote que marcou o início das aulas.
O leitor acusava a Folha de ter abandonado o caso logo depois de noticiá-lo, junto com toda a imprensa, no final de fevereiro.
Foi isso mesmo o que ocorreu. Na ocasião, informou-se que os alunos haviam firmado um "pacto de silêncio".
Com a explicação, o jornal parece ter se desobrigado de dar continuidade ao assunto, como se reconhecesse que trabalha apenas com histórias que lhe chegam prontas.
Se no caso do Banco Marka existe dificuldade de avançar, aqui parece que houve também falta de interesse.
Na terça-feira, a Folha confinou em um pé de página a divulgação do laudo do Instituto Médico Legal. Ainda que as declarações das partes envolvidas, a favor ou contra a tese de morte violenta, devam ser tomadas com toda a cautela, nada justifica a omissão.
"Parece que não há tempo nem equipe para aprofundar uma reportagem, mesmo dessa gravidade", escreveu o leitor.
"A Folha publicou uma matéria sem vida, que não explorava contradições, apenas porque não poderia deixar de publicar."
A coisa melhorou depois de terça-feira, talvez porque o próprio jornal tenha sentido que passou do limite em seu descaso.
Muito diferentes no conteúdo, os episódios do Banco Marka e da morte na USP têm em comum a expectativa que despertam no leitor.
Ele deposita no jornal, e muitas vezes só nele, a esperança de que as histórias não morram sem solução.
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