renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Degraus de separação
Leitor e jornalista têm percepções diferentes a respeito de erros, distorções e sensacionalismo no noticiário, além de desconfiarem um do outro.
Esse desencontro ocupou boa parte das discussões na conferência anual da ONO (Organization of News Ombudsmen).
Reunidos de domingo a quarta-feira em Chicago, 48 ouvidores de veículos de comunicação analisaram os resultados de um levantamento conduzido pela ASNE (American Society of Newspaper Editors).
Em dezembro passado, registrei aqui a primeira leva de conclusões desse estudo, que tem por objetivo aferir a credibilidade da imprensa e estimular experiências que visem incrementá-la.
Em resumo, o público disse que está sobrando opinião e faltando informação de qualidade nos jornais.
Acusou-os ainda de promover ou derrubar histórias de acordo com interesses de pessoas e grupos influentes, e de escolher os assuntos menos pela importância do que pelo potencial de espetáculo.
Foram realizadas 3.000 entrevistas. Em seguida, uma pesquisa qualitativa com 16 grupos ajudou a interpretar os dados obtidos.
A novidade é que 1.714 jornalistas de diários norte-americanos foram submetidos a um elenco semelhante de perguntas.
Em pouco mais de cem páginas, o documento debatido na reunião da ONO coteja números e depoimentos dos dois grupos.
Ao lado, apresento um extrato desse material. O quadro compara as reações de leitores e jornalistas diante de determinadas afirmações a respeito do trabalho da imprensa.
Há zonas de entendimento.
Em percentuais quase idênticos, as duas partes consideram fácil perceber quando a isenção de uma reportagem é comprometida pelos preconceitos de quem escreve.
Somados os percentuais dos que "concordam" e dos que "concordam inteiramente", também existe coincidência na avaliação de que o serviço é melhor nas praças não dominadas por um único jornal. Mas há muitos degraus de separação.
Uma fatia expressivamente maior de leitores acha que informações são publicadas sem a devida segurança, de olho na concorrência.
Eles são mais categóricos ao afirmar que a mídia é manipulada com facilidade, e que histórias são exploradas além da conta apenas para aumentar as vendas.
Os jornalistas endossam com mais entusiasmo a idéia de que sabem ser cautelosos quando há risco para pessoas involuntariamente envolvidas em uma reportagem.
Os leitores não estão tão convencidos disso.
Curiosidade: os jornalistas se consideram mais cínicos do que outros profissionais, e o percentual dos que pensam assim é maior entre a própria categoria do que entre o público em geral.
Além dos números, o relatório traz comentários de entrevistados dos dois grupos.
Em alguns casos, os jornalistas se mostram mais rigorosos do que os leitores na identificação dos problemas.
Em outros, devolvem as críticas.
Abaixo, algumas frases, colhidas de depoimentos variados. Sobre erros gramaticais:
Leitor: "Antes havia revisão. Não sei como eles fazem agora".
Jornalista: "Cometemos falhas bobas por excesso de trabalho".
Leitor: "Parece que eles acabaram de sair do jardim da infância".
Jornalista: "Repórteres e editores tendem a acreditar que estão certos. Por isso, não consultam manuais ou dicionários".
Sobre erros de informação:
Leitor: "Jornalista é jornalista. Não é geólogo, não é médico. Você não pode confiar totalmente no que ele diz".
Jornalista: "Nos oitos anos em que trabalho aqui, só uma vez fui questionado sobre informações de uma reportagem minha que não batiam com as do concorrente".
Sobre fontes anônimas:
Leitor: "O jornal deve explicitar sua política sobre fontes anônimas. Se não há certeza, a suspeita não pode ser vendida como fato".
Jornalista: "Fontes anônimas são um grande problema na apuração jornalística. Por que devo confiar no discernimento de um repórter que mal conheço?"
Sobre jornalistas:
Leitor: "Eles gostam quando coisas ruins acontecem na vida das pessoas".
Jornalista: "Ainda queremos acreditar que sabemos o que é melhor para o público".
Leitor: "Assim que alguém vira herói, eles acham que têm a obrigação de encontrar alguma coisa ruim".
Jornalista: "O leitor quer apenas ver suas idéias confirmadas e se aborrece quando lhe contamos os fatos".
Leitor: "Se o jornal arruína a vida de alguém, como essa pessoa será compensada?"
Jornalista: "Gastamos tempo demais pensando em credibilidade".
A amostra dá uma idéia do descompasso detectado pela pesquisa.
Não chega a surpreender que ele exista. É compreensível que a imprensa faça uma avaliação de seu trabalho mais positiva do que a oferecida pelo público.
Levantamento sobre outras profissões possivelmente chegaria a conclusão semelhante.
Nem mesmo os idealizadores do estudo, claramente preocupados com o declínio na leitura de jornais dos EUA, imaginam que a solução para o problema da credibilidade esteja em simplesmente fazer o que o leitor quer _e jamais fazer o que ele não quer.
As entrevistas revelam que parte da desconfiança poderia ser superada caso a imprensa se empenhasse em mostrar ao público como e por que determinadas decisões editoriais são tomadas.
"Certamente estaríamos dando um passo importante no sentido de construir uma relação de confiança", diz a editora-executiva de um dos jornais que está servindo de laboratório para projetos concebidos a partir dos resultados da pesquisa.
"Merecemos crítica pelos erros que cometemos. O problema é que, mesmo quando estamos certos, não nos preocupamos em explicar nossa lógica ao leitor."
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