renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Toneladas de indiferença
Números errados saem todo dia no jornal. Embora grosseiro, o disparate em questão ilustra a coluna de hoje não por ter ocorrido, mas pelo tratamento que lhe foi dispensado pela Redação.
No sábado, dia 12, a Folha noticiou a suspeita de que um edital da prefeitura paulistana foi dirigido para favorecer determinada empresa em licitação do programa Leve-Leite, uma das atrações da campanha em que Paulo Maluf elegeu Celso Pitta.
De acordo com a reportagem, o negócio, no valor de R$ 127 milhões, "prevê o fornecimento de 1,6 milhão de toneladas de leite em pó para o município durante um ano".
Na manhã de segunda-feira, encontrei o alerta de um leitor: "É leite demais".
Ele fez uma conta simples, baseada em tamanho da população, quantidade necessária de gramas para produzir um litro de leite e período coberto pela licitação.
Sua conclusão, registrada por mim na crítica interna do mesmo dia: pelo número da Folha, chega-se a algo como 2,7 litros de leite por dia para cada habitante.
Apesar do absurdo da cifra, nada de retificação na terça-feira. Nem na quarta. Perguntei à Secretaria de Redação o que havia. O "erramos" saiu no dia seguinte. Muito mal escrito, nem sequer esclarecia em que cidade ocorrera a licitação. Mas lá estavam as toneladas certas: 16 mil.
O editor de Cotidiano/São Paulo, Vaguinaldo Marinheiro, nega que a intervenção da ombudsman tenha motivado o reconhecimento do erro. Demorou, segundo ele, porque o dado estava sendo checado.
Não faço a menor questão de ser madrinha das correções que saem na página 3. É até melhor que a providência parta do jornal.
Mas sinceramente não entendo como uma bobagem tão flagrante precisa de 48 horas para ser constatada, ou que tanta dificuldade existe em levantar o número correto.
Meu ceticismo cresce porque o episódio não é isolado. Com frequência, suspeitas de erros anotadas na crítica interna são deixadas sem resposta até que uma segunda ou terceira cobrança surta algum efeito.
É compreensível que a Redação desconsidere, desse documento diário, opiniões da ombudsman com as quais não concorda. Mas impressiona que não se sinta obrigada a prestar conta de seus erros.
A indiferença é ainda maior nos casos que não ganham publicidade na crítica interna. Aí, a espera do leitor pode durar bem mais do que dias.
Recentemente promovi, com a ajuda da direção do jornal, uma campanha para liquidar processos abandonados nas gavetas da Redação.
Quem visse a idade de alguns deles poderia imaginar que demandavam longa investigação da parte dos jornalistas. Que nada. Confira alguns dos "erramos" arrancados a fórceps:
- Brasil reconheceu, depois de três meses, que havia grafado incorretamente o nome da barragem que cobria Canudos (é Cocorobó, e não Cororobó).
- Mundo concedeu, igualmente depois de três meses, que a cidade francesa de Chamonix fica próxima à fronteira com a Itália, e não com a Alemanha.
- Turismo levou cinco meses para voltar atrás da informação de que a distância entre a Terra e o Sol interferiria na temperatura do planeta. A mesma editoria precisou também de cinco meses para aceitar que foi São Vicente, e não Porto Seguro, a primeira cidade fundada no Brasil.
Ou seja, bobagens que poderiam ter sido resolvidas de um dia para outro, tivesse havido vontade dos envolvidos.
De novo, são erros pontuais. Importam muito menos do que o tempo que o leitor teve de esperar até receber uma satisfação da Folha.
Tanto faz se a demora resulta de puro descaso ou da expectativa infantil de que a cobrança caia no esquecimento.
Nenhuma das hipóteses é boa para o jornal. Se o leitor não o vê tratar com seriedade as questões pequenas, não tem por que acreditar que a atitude será diferente com as grandes.
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