renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
PC redescoberto
O caso PC está de volta ao noticiário, por mérito da Folha.
Reportagem sobre as mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino da Silva publicada no jornal em 24 de março determinou uma série de desdobramentos nas investigações.
No mais recente deles, quatro ex-seguranças de PC tiveram prisão preventiva decretada, acusados do assassinato da namorada do empresário.
Não se sabe o que aconteceu, na madrugada de 23 de junho de 1996, na casa de praia em Guaxuma.
Mas nunca esteve tão disseminada a percepção de que as coisas não aconteceram tal como descritas no laudo oficial, segundo o qual Suzana matou o tesoureiro de Fernando Collor e depois se suicidou.
Dada a repercussão obtida pela reportagem, é curioso observar que ela não se baseia em entrevista bombástica ou revelação inusitada.
Resulta da manipulação exaustiva de elementos que estavam, em sua maioria, dispostos em cena havia muito tempo.
O jornalista Mário Magalhães fez um inventário dos erros, contradições e dúvidas que rondam a versão oficial.
Em seu texto estavam compilados desde as descobertas dos peritos que concluíram, em 1997, o chamado laudo alternativo, até depoimentos de familiares e conhecidos.
No topo de tudo isso, fotos mostravam que Suzana era mais baixa do que PC, ao contrário do que afirma o documento oficial sobre as mortes.
O laudo assinado pelo médico legista Fortunato Badan Palhares lhe atribui 1,67 m.
Ela media menos de 1,60 m. Com essa altura, explicava o jornal, é fisicamente impossível que Suzana tenha se suicidado. A hipótese é incompatível com a trajetória da bala.
O impacto dessa discrepância era estabelecido pela comparação com uma frase de Palhares, extraída de artigo veiculado na Folha em setembro de 1997.
"A altura de Suzana é fundamental. Estando errada, estará errado todo o resto."
A reportagem foi anunciada com grande destaque na Primeira Página.
O contraste entre a evidência representada pelas fotos e a informação do laudo baseada em carteira de Suzana, do tipo que se expede sem exame falou mais alto do que as tentativas anteriores de ressuscitar o caso.
Com o passar das semanas, fui me dando conta, em conversas com leitores e colegas, que havia uma certa confusão quanto à natureza do feito da Folha.
Muitos consideravam que a reportagem "descobriu" o erro na altura de Suzana
Poucos tinham lembrança de que esse erro havia sido identificado, em 97, pelos peritos do laudo alternativo.
Por coincidência, foi a Folha o primeiro veículo a ter acesso, em agosto daquele ano, às conclusões do documento, que acabaram confinadas em um pé de página.
Apesar da pouca exposição, três dos principais colunistas do jornal atentaram para a importância da informação e, em 31 de agosto, escreveram a respeito.
"Deveriam ser duas, agora, as investigações. Demonstrado pelos novos exames que a moça foi assassinada, tornam-se indissociáveis as investigações sobre a autoria e um inquérito sobre os procedimentos que falsearam um crime passional para dar o caso por encerrado." (Janio de Freitas)
"Volta-se à suspeita que até as conchas das praias de Maceió alimentaram quando souberam da dupla morte: queima de arquivo." (Clóvis Rossi)
"Suzana era dez centímetros menor do que consideraram os outros legistas, os gênios, e estava tentando se levantar da cama quando foi atingida." (Eliane Cantanhêde)
Em resposta a eles, bem como à reportagem, Palhares escreveu o artigo que acabaria por encostá-lo contra a parede.
Mesmo a comparação entre o erro na altura e a sentença fatídica do legista da Unicamp, que tanto efeito causou agora, foi feita nessa época.
Ela consta de uma segunda reportagem publicada dois meses depois.
No texto, Ana Luiza Marcolino, irmã de Suzana, sustentava que esta tinha 1,57 m.
O confronto entre a medida e o veredicto de Palhares aparece também em editorial de 1º de outubro.
O laudo alternativo e as declarações de Ana Luiza "impõem que as investigações sejam reabertas", defendeu a Folha naquele dia. "Não se trata de mais um caso policial. É provável que a morte de PC tenha envolvido muitos interesses. Em nome do interesse público, é preciso esclarecê-la."
Nenhuma das duas reportagens, de autoria do jornalista Lucas Figueiredo, chegou à Primeira Página. O assunto apagou-se em pouco tempo.
Qual é, em essência, a novidade da reportagem de março passado?
Em primeiro lugar, as fotos. Ainda que o registro visual da diferença de altura tenha estado disponível antes, a Folha obteve imagens novas e usou-as para demonstrar as afirmações do laudo alternativo.
Em segundo lugar, houve disposição editorial para vasculhar o tema de forma minuciosa e conferir visibilidade aos resultados.
Penso que o jornal deveria ter feito menção explícita, nesse material, tanto às reportagens anteriores quanto ao fato de que Palhares, em seu hoje célebre artigo, estava respondendo à Folha.
A atitude transparente em nada desmereceria a reportagem atual, de fato responsável pelo renascimento das cinzas do caso PC.
Ao mesmo tempo, desfaria a impressão de que o jornal acaba de inventar a roda nessa investigação, o que, sem prejuízo de seu mérito, não é verdade.
A história das mortes de PC e Suzana faz pensar nos fatores nem sempre confessáveis ao leitor que determinam o tratamento dado às informações.
Quem acompanhou os primórdios desse noticiário se lembra do embate entre as revistas "Veja" e "Isto É". A primeira deixou os demais veículos sem fala ao divulgar, em primeira mão, o esperado laudo de Badan Palhares.
Mais do que isso, apresentou aquelas conclusões como verdade inquestionável. "Caso encerrado." Até a semana passada, não havia dito palavra sobre a reviravolta. No outro extremo, "Isto É" deu tratamento de notícia a toda sorte de especulações que alimentavam a teoria da "queima de arquivo".
Hoje está claro que não havia cacife suficiente para bancar nenhuma das duas apostas.
O caminho, para os interessados em desvendar o mistério, é continuar revolvendo o passado. A despeito do desprezo das autoridades pelo que chamam de "café requentado", é com ele que se consegue, muitas vezes, esclarecer as histórias malcontadas.
*
No domingo passado, informei o placar das manifestações que recebi sobre a reportagem que revelou bastidores da privatização da Telebrás: 43 criticavam a Folha por ter publicado as conversas do grampo; 8 elogiavam o jornal.
Nova rodada de mensagens: 18 de reprovação (em alguns casos, ao jornal e à ombudsman, que defendeu a reportagem) e 10 de apoio.
Como observei há uma semana, esse placar merece registro e reflexão, mas não pode ser tomado como pesquisa. Por definição, o leitor que procura a ombudsman está insatisfeito com o jornal.
Segundo levantamento do Datafolha publicado na quinta-feira, 79% dos assinantes paulistanos aprovaram a divulgação das fitas; 18% foram contra.
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