renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
'Que é negro'
Por ter viajado no período em que se deu o episódio, achei que havia perdido a oportunidade de comentar a polêmica em torno da referência feita, na capa da Folha, ao novo diretor-geral da Polícia Federal.
No entanto, três leitores me procuraram, na semana passada, para pedir uma posição sobre o assunto. Percebi que devia a eles uma satisfação.
Para quem não se lembra, ou nem chegou a reparar, em 22 de junho o jornal noticiou em manchete a indicação de Agílio Monteiro Filho para o cargo. Na segunda frase do texto, logo depois do nome do delegado e de uma vírgula, vinha a explicação: "que é negro".
Afinal, é ou não racista a observação? É. Não que tenha sido esse o propósito da Folha, mas a ausência de intenção não elimina a discriminação.
Diante dos protestos, o jornal argumentou que o fato era relevante, porque inédito.
No primeiro momento, cheguei a considerar a reação exagerada. Mas um pouco de reflexão me fez concluir que não havia justificativa plausível para a oração explicativa.
O alegado ineditismo só veio a ser estabelecido no dia seguinte. Mesmo antes de certificar-se dele, portanto, o jornal insistiu no comentário (de resto inútil, já que a cor da pele do personagem da notícia podia ser constatada na foto).
Mais importante, cabe perguntar o que há de excepcional no fato de a PF estar sob o comando de um negro. A menção é compreensível quando se trata de cargos de peso institucional: o primeiro presidente, prefeito, general. Há, nessas situações, o caráter de registro histórico. Não é o caso da PF, um entre tantos órgãos do governo federal.
Baixada a poeira, a direção do jornal reconheceu que o texto, tal como publicado, foi infeliz. Mas, à diferença da ombudsman, acredita que, tivesse o ineditismo sido confirmado naquele dia, ele deveria ter constado da manchete.
O "que é negro'' passou relativamente despercebido pelos leitores. Duas cartas de protesto saíram na página 3.
O quase silêncio mostra o quanto a sociedade brasileira é condescendente com manifestações de preconceito racial.
É comum, entre jornalistas, zombar dos exageros do politicamente correto. O exemplo em questão mostra que não há motivo para tanta piada.
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