renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Como um patinho
O leitor tem 23 anos de idade e 14 de prática de videogames. Notou que os nomes de alguns dos jogos citados na Folha em 13 de agosto haviam sido alterados. "Postal" ganhou o complemento "Papai Noel Assassino".
"Doom" foi acrescido de "Violência em 3D". Percebeu também que a reportagem expressava um único ponto de vista.
O jornal reproduzia as conclusões de relatório entregue por uma organização não-governamental ao ministro da Justiça, com pedido de que seja proibida no país a venda "de qualquer jogo violento".
Com base no documento, o quadro "O que provocam os videogames violentos" relacionava efeitos nefastos: cegueira, surdez, tendinite, ataques do coração, loucura e epilepsia.
Em sua carta, o leitor disparava perguntas sobre cada um dos itens do quadro. No topo do questionário, queria saber por que a Folha não teve a preocupação de recolher avaliações divergentes, seja sobre o perigo representado pelos jogos, seja a respeito da conveniência de vetá-los.
"O que a ONG queria, conseguiu: ibope em um jornal de grande circulação. E a Folha caiu como um patinho." Interpretação do leitor para os nomes modificados: a reportagem "apenas sugou o relatório, que inventou os subtítulos para influenciar jornalistas desinformados e preguiçosos" (essa teoria não foi contestada pela Redação).
O leitor acredita que o conteúdo de determinados games merece atenção de pais e educadores, mas rejeita a facilidade com que o jornal deu abrigo à tese de que a proibição resolveria o problema.
"Ou a Folha fazia uma matéria decente, ou não fazia nada. Só não podia ter feito propaganda gratuita." Resposta do editor de Cotidiano/São Paulo, Vaguinaldo Marinheiro: "Concordo. O texto compra a versão da ONG sem contrapor outras opiniões. Só vale pela notícia de que há um grupo querendo proibir os jogos". O modelo não se aplica apenas à reportagem demolida pelo leitor.
Está disseminado pelas páginas. Alguém atira no colo do jornalista um estudo, levantamento, manifesto, o que for. O que deveria servir como ponto de partida, subsídio ou complemento de apurações paralelas acaba indo para o papel do jeito que chegou à Redação. É boa vontade considerar que o jornal cai "como um patinho".
Muitas vezes, sabe o que está fazendo e não toma providências porque esse é o caminho mais fácil, ainda que o resultado fique abaixo da crítica. O caso dos games me faz lembrar de uma reportagem do ano passado, igualmente alimentada por uma única fonte, que alertava para a influência nociva dos desenhos animados sobre o comportamento das crianças.
Até uma iletrada em diversões eletrônicas como eu sabe que "Mortal Kombat" não pode ser comparado a "Frajola e Piu-Piu" (na época condenado porque "o gato quer devorar o passarinho em todo episódio").
Mas há um elemento comum às duas reportagens: temas interessantes desperdiçados com tratamento superficial.
Chamaram minha atenção a pouca idade do leitor e a noção clara que ele tem de como a notícia é produzida. O público do jornal vem envelhecendo, e há dificuldades para renová-lo.
Costuma-se atribuir o fenômeno, entre outras coisas, à idéia de que os jovens lêem cada vez menos. Talvez não seja tão simples assim. O leitor que me procurou parece ter, sobre assuntos que lhe interessam, mais informação do que os jornalistas. O que lhe oferecem é muito pouco.
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