renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Faltou dizer
História número 1.
A Folha antecipa com exclusividade o percentual do novo aumento de preços dos combustíveis, próximo do que viria a ser anunciado pelo governo.
Abaixo da manchete do caderno Dinheiro, o título do gráfico diz: "Alta no exterior eleva preços internos". Em seguida, um outro título: "Cotação internacional do petróleo dobra neste ano".
Com atenção, é possível pescar na reportagem uma ou outra referência esparsa ao fato de que o governo tem de tirar de algum lugar o "dinheiro para conter o crescimento da dívida pública".
Mas nada organizado, muito menos apresentado com destaque. A mensagem da edição é: se o consumidor vai pagar mais, a culpa é dos países exportadores reunidos na Opep.
Em nenhum momento é esclarecido por que então os preços não caíram aqui no ano passado, quando despencavam lá fora.
Apenas dois dias depois o jornal decide ser mais claro: "Promessa feita ao FMI explica aumento".
História número 2.
Mais um reajuste da semana passada, desta vez dos remédios. A Folha abre sua página sobre o assunto com cálculo da Fipe mostrando que os preços subiram dez vezes acima da inflação nos últimos 12 meses. Um texto à parte destaca que o ministro da Saúde, José Serra, "vê abuso nos aumentos".
Outros jornais dão visibilidade à informação de que o reajuste, longe de ser inesperado, faz parte de acordo firmado entre governo e laboratórios depois da desvalorização do real. Dele resultou o parcelamento mensal da remarcação pretendida pelas empresas.
A Folha não tira a limpo a questão. "Para a indústria farmacêutica, os reajustes obedecem a um acordo."
Obedecem ou não?
O registro é feito de passagem, no meio de um texto e bem longe do protesto de Serra. O leitor não tem a chance de contrapor a previsibilidade do aumento à indignação do ministro.
A exemplo do que ocorreu com os combustíveis, dois dias depois o jornal conclui: houve mesmo o acerto.
História número 3.
Manchete do caderno Cotidiano/São Paulo informa que o "PAS promete cortar supersalários".
Baseada em entrevista com o secretário municipal da Saúde, Jorge Pagura, a reportagem busca detalhar as recém-anunciadas mudanças no modelo implantado durante a gestão de Paulo Maluf na prefeitura paulistana.
Neste caso, o jornal é mais atento à inconsistência do discurso oficial. Logo na abertura do texto principal, nota que o prefeito Celso Pitta levou quase três anos para reconhecer as distorções salariais nas cooperativas do Plano de Atendimento à Saúde.
E cuida de lembrar que esse não foi o único fator a tornar inviável o PAS, abrigo de uma gama variada de irregularidades na administração anterior e na atual.
"Outros lados" do sindicato dos médicos, dos fornecedores com quem as cooperativas têm débitos estão registrados.
A reportagem, no entanto, ressente-se do fato de estar apoiada quase que exclusivamente nas declarações de Jorge Pagura. É construída à base de "segundo o secretário" e "de acordo com ele".
Isso lhe dá um certo tom de "agora a coisa vai". A conversa seria outra se as promessas tivessem sido confrontadas com fontes independentes.
A fragilidade, aqui, é de natureza um pouco diferente da observada nos noticiários dos aumentos de combustíveis e remédios. Há menos disposição para aceitar a versão das autoridades. Mas, pela via da fonte única, chega-se ao mesmo resultado.
São três casos em que a Folha apresenta uma visão bastante superficial, quando não distorcida, dos assuntos abordados.
Não se exige do jornal que ofereça tratados diários, seja porque isso é incompatível com o ritmo de sua produção, seja porque o tempo do leitor é curto.
Mas não é demais esperar que a Folha desconfie do que lhe dizem e estimule a presença do elemento contraditório nas reportagens. Não custa lembrar que essa é uma marca pela qual o jornal sempre gostou de ser conhecido.
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