renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Diário da máfia
Entre erros e acertos, a Folha vem procurando mostrar que enfim se recupera da negligência com que inicialmente tratou o noticiário da chamada máfia da propina.
O jornal trouxe, em especial nas últimas duas semanas, algumas reportagens que revelam disposição para investigar a fundo o esquema que tomou conta da prefeitura paulistana, em vez de se dar por satisfeito colecionando casos de fiscais corruptos e detalhes da vida amorosa de vereadores.
Na edição de quarta-feira passada, o mais recente desses esforços resultou na identificação do motorista de Nicéa Pitta entre as pessoas que recebem salário do Anhembi sem trabalhar na empresa, um dos cabides de emprego da administração municipal.
É preciso, no entanto, que a Folha não se deite sobre o que já conseguiu. Os buracos na cobertura ainda são muitos.
Um exemplo é a mal contada história do dossiê que Celso Pitta entregou na quinta-feira ao Ministério Público.
Essa coleção de papéis começou a semana nas manchetes, com um amigo-advogado do prefeito anunciando que este se libertara do malufismo e entregaria o ex-chefe.
Mais do que depressa, Pitta esvaziou a declaração e a expectativa em torno do dossiê.
Quatro dias depois, o caso estava na metade inferior da página e o amigo-advogado havia sumido do jornal. O leitor ficou sem entender se Pitta de fato pretendia atirar Maluf aos promotores, mas recuou, ou se havia algum outro tipo de negociação em curso.
Há nesse noticiário um mundo de bastidores políticos que a Folha até agora mal arranhou. Ele inclui tratativas reservadas entre Maluf e Pitta e costuras no PFL para formar o governo de Régis de Oliveira caso venha o impeachment.
O leitor pouco sabe de tudo isso. É bem possível que os jornalistas, em tese encarregados de contar a história, estejam na mesma situação.
*
A Folha não fez serviço completo nem no melhor momento de sua reportagem até agora, que foi o mapeamento de outro cabide de empregos da prefeitura, a Prodan.
Outros jornais já haviam relatado casos de irregularidades na folha de pagamentos da empresa, que presta serviços na área de informática.
O "Diário Popular" chegara a publicar uma relação de funcionários.
Mas a Folha foi além. Conseguiu uma lista onde apareciam cargos de confiança que haviam sido expurgados da versão anterior.
Em vez de simplesmente atirar a penca de nomes sobre o leitor, o jornal realizou um cuidadoso trabalho de edição, selecionando os personagens relevantes e identificando suas relações de parentesco e/ou apadrinhamento político.
Da pescaria saíram, entre outros, quatro secretários municipais, o ex-secretário (agora indiciado) Alfredo Mário Savelli, o ex-vice-prefeito Sólon Borges dos Reis, subordinados da primeira-dama e ex-funcionários de administrações regionais.
Em resumo, "homens de Pitta, Maluf e até envolvidos na máfia", como dizia o título da reportagem, publicada no dia 31 de março.
Todo esse empenho elucidativo desapareceu na edição seguinte, quando a Folha informou que havia descoberto três funcionários da Prodan cedidos ao Instituto de Previdência Municipal, onde eram "fantasmas".
Embora frisasse que os três eram "muito bem remunerados", o jornal se limitou a despejar seus nomes em um texto no pé da página: Luiz Fernando de Oliveira Campos, Denise Tamanaha e Patrícia Sales R. Gonçalves.
Em contraste com o que foi feito no dia anterior, não se esclareceu quem são essas pessoas e que esquema permitiu que recebessem sem trabalhar.
A Folha ficou devendo informações a seu leitor.
Ele só confiará na disposição investigativa do jornal se os resultados desse trabalho atingirem indistintamente todos os envolvidos em irregularidades.
Se não for assim, o leitor poderá se perguntar se o jornal não pratica a mesma encenação de que são acusadas a CPI e outras instâncias condutoras das apurações.
*
Não é fácil se livrar de uma obsessão, o que pode ser constatado pelo espaço que a Folha ainda desperdiça com detalhes do romance entre o vereador Vicente Viscome e sua ex-assessora Tânia de Paula.
O assunto já envelheceu como piada, que dirá como notícia, mas o jornal não desiste.
Na terça-feira, tomou emprestada uma entrevista com Tânia feita pelo "Notícias Populares", jornal do mesmo grupo que edita a Folha.
No pingue-pongue, ela respondia questões como: "Você está com saudades? Quer ver e abraçar o Viscome? E o sexo, era bom?"
Pode parecer moralismo, mas o problema é de outra natureza. Diz respeito ao fato de que a Redação por vezes ignora que tipo de jornal faz, e para que leitor.
Indica também que talvez a Folha ainda não saiba direito o que está procurando no escândalo da máfia.
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