renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
A renda de Ciro
Há semanas eu não via um assunto dominar a correspondência como aconteceu, desde domingo passado, com a reportagem sobre o Imposto de Renda de Ciro Gomes.
Como costuma acontecer com as manifestações à ombudsman, a maioria condenou o jornal. Neste caso, por ter noticiado que o pré-candidato à Presidência pelo PPS omitiu receitas do Fisco nas declarações referentes a 1995 e 1997.
Alguns trechos. "Tenho a sensação de que a Folha força a barra." "É muito espaço para pouca denúncia." "Por que tanto alvoroço em torno de um Imposto de Renda malfeito?"
Um protesto se repetiu em várias mensagens. "Agiu-se no estrito interesse do leitor, ou há alguma razão inconfessável por trás da iniciativa?" "É por acaso que esta notícia é manchete quando FHC enfrenta sua mais baixa popularidade?"
A desconfiança presente nas duas perguntas é frequentemente suscitada por investigações jornalísticas que envolvem políticos. O leitor quer saber a quem interessa a acusação.
Uma parte da resposta não é segredo para ninguém. Por definição, divulgações como essa interessam a todos os adversários do atingido, o que, no caso de um nome em ascensão nas pesquisas, não é pouca gente.
A outra parte da resposta envolve uma expressão desgastada pelo uso, mas adequada ao episódio. É do interesse público que a imprensa se debruce sobre a vida financeira dos candidatos, ainda que cada um deles e seus respectivos simpatizantes tendam a achar que a regra só vale para oponentes.
Invasão de privacidade, diagnóstico que chegou a ser mencionado nos últimos dias, não se aplica ao caso. Aqui importa mais o princípio do que as cifras apresentadas na reportagem, relativamente modestas.
É evidente que, nessas ocasiões, o jornal procura engrossar o caldo do feijão com revelações de duvidoso valor informativo.
Exemplo: o destaque dado ao fato de que, em 1997, a então estatal de telefonia do Ceará pagou R$ 6.300 por uma palestra de Ciro Gomes. O texto não vai além da tentativa de ligar um irmão diretor à contratação do ex-governador e ex-ministro.
Se há algum problema em cobrar por palestras, seria apropriado contar ao leitor que muitos jornalistas, inclusive da Folha, são adeptos da prática.
Também é certo que, ao emplacar o furo, o jornal tende a cair no vale-tudo para mantê-lo em evidência. Exemplo: não merece abre de página uma declaração de Antonio Carlos Magalhães cobrando explicações de seu ex-aliado e atual desafeto.
Outro: é quase cômico destacar em título que ele "foi professor de direito tributário e contabilidade", como que para tornar mais inexplicáveis os erros nas declarações. Ninguém de bom senso imagina que um sujeito como Ciro Gomes preencha os próprios formulários do IR.
Embora mereçam registro, as deficiências são secundárias. No principal, a Folha fez o certo. E a essência da reportagem sobrevive ao desmentido, por mais enfático que este tenha sido.
Na verdade, se Ciro tivesse mantido a reação inicial (não sei de que se trata, vou apurar e pago o que estiver devendo), o caso teria durado menos tempo no noticiário. Sua atrapalhada investida contra a Receita Federal deu fôlego à história.
Da Folha o leitor deve exigir que a mesma atenção seja dedicada às contas de todos os outros políticos que estão se lançando, com graus variados de clareza, à sucessão de 2002.
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