renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Loucos por listas
Não passa dia sem que pelo menos um leitor proteste contra a profusão de reportagens de algum modo relacionadas ao fim do século e do milênio. Para que gastar tanto papel, perguntam, se nem um nem outro vão de fato acabar no próximo dia 31?
Em minhas respostas, além de reconhecer o fundamento da observação sobre o calendário, costumo argumentar que:
a) exceto por um ou outro escorregão, o jornal tem procurado esclarecer, ao tratar do assunto, que a passagem propriamente dita só se dará no réveillon do ano que vem;
b) é compreensível que as pessoas, e por tabela o noticiário, enxerguem significado especial na chegada do ano 2000.
Apesar das duas ponderações, entendo a impaciência desses leitores, entupidos de balanços e rankings nesta "falsa virada". No domingo passado foi a vez de a Revista da Folha divulgar sua lista, a dos "piores do século no Brasil".
Para quem não viu (a revista circula apenas na Grande São Paulo), explico. Durante cerca de um mês, o público foi convidado a votar, pelo correio e via Internet, em categorias como "o maior vexame no esporte", "o humorista mais sem-graça", "a pior gafe" e "o líder mais picareta".
O questionário era aberto, ou seja, não oferecia opções para assinalar. Foi respondido por 631 leitores. Os resultados trazem à tona pelo menos dois problemas.
O primeiro é que "do século" a lista tem muito pouco. Como costuma ocorrer nesse tipo de levantamento, a maioria votou em fatos e personagens de hoje ou do passado recente. Nas respostas, pouca coisa sobreviveu de dez anos para trás.
A limitação é reconhecida no próprio texto de introdução aos prêmios, o que revela sinceridade mas também evidencia o exagero do título da capa.
Outro ponto observado na apresentação é o caráter de desabafo, especialmente contra os políticos, dos votos. As respostas são um bom termômetro do quanto os participantes da enquete estão fartos "do que está aí", mas não servem para avaliar o século. Nem mesmo podem ser transportadas automaticamente para um universo maior que o dos leitores da revista.
O segundo problema da lista está na maneira como a edição lidou com sua representatividade restrita. Em vários casos, o anúncio do vencedor foi acompanhado de uma espécie de "não é bem assim" providenciado pelo jornal.
Um exemplo. A derrota na final da Copa de 98 ganhou disparado na categoria "maior vexame no esporte". É caso de memória curta, escreveu Tostão, lembrando, com toda a razão, que o fracasso em 50 foi muito mais traumático.
Chico Anysio, eleito "o humorista mais sem-graça", também mereceu palavras de alento. Segundo o título da página, "a culpa é da Zélia".
Em nenhum caso a operação resgate ficou mais evidente do que no de FHC, agraciado com o prêmio máximo, "o pior do pior". O jornal observou que "há sempre um fosso entre a esperança que um político desperta e aquilo que consegue realizar", e que "os brasileiros têm a tendência de acreditar que presidente e super-homem são a mesma coisa".
Dois leitores me procuraram para reclamar do refresco. "O jornalista se contorceu e se desdobrou para livrar a cara de FHC", afirmou um deles.
A questão não é decidir se estão certos os dois leitores, convencidos da justiça do prêmio, ou a Folha ao notar que "o título de pior do pior ao longo de cem anos teria candidatos mais fortes". Incômodo é o ruído entre as duas coisas.
O leitor usa a palavra certa quando diz que o jornal se contorceu. Fez isso mesmo, e não apenas no caso do presidente, porque enxergou distorção em vários dos resultados da eleição que patrocinou.
O risco deveria ter sido previsto, dadas as características da enquete. Da maneira como foi feito, o contraponto ficou com cara de "tapetão".
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