renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Números em xeque
Todo dia chegam contestações, procedentes ou não, ao noticiário do jornal. O caso é sempre um pouco mais sério quando a suspeita de erro recai sobre a manchete da edição. Foi o que aconteceu com a de domingo passado. "Governo dá mais do que ganha em privatizações", dizia o título da capa.
A Folha somou "os benefícios concedidos às empresas compradoras de estatais". Chegou ao valor de US$ 45 bilhões, "mais do que o dobro do ganho obtido com as desestatizações" (US$ 17,9 bilhões, correspondentes à arrecadação dos leilões menos o valor do patrimônio vendido).
O cálculo foi contestado pelo presidente do BNDES, Andrea Calabi, em carta publicada na quarta-feira. Seu ponto central é o mesmo que me foi apresentado por dois leitores: o jornal teria errado ao computar, na relação dos "benefícios", empréstimos concedidos pelo banco às empresas compradoras. Isenção fiscal é uma coisa, argumentam Calabi e os leitores. Operação de crédito, outra. Dinheiro emprestado retorna na forma de pagamentos.
Em resposta, o editor de Brasil, Fernando Canzian, pondera que:
a) a reportagem deixou claro que não procurou aferir o lucro das empresas ou o prejuízo do governo com as operações, mas apenas o fluxo de caixa _a diferença entre o dinheiro que saiu das empresas para comprar as estatais e o que saiu do governo (ou deixará de entrar, no caso das isenções) para os vencedores dos leilões;
b) lucro e prejuízo só poderiam ter sido aferidos se o BNDES tivesse fornecido informações que foram insistentemente pedidas pela Folha, mas negadas pelo banco (quando recebeu a carta de Calabi o jornal reiterou a solicitação, de novo rejeitada);
c) o jornal acha plausível computar os empréstimos como benefícios. Lembra que juros e prazos são muito mais favoráveis do que os oferecidos por bancos comerciais, e que esses créditos não estão ao alcance de qualquer empresa.
Não tenho pretensão de bater o martelo sobre essa divergência. Embora acompanhe o noticiário, meu conhecimento é insuficiente para tanto.
Mas devo registrar que não encontrei, entre sete economistas e jornalistas da área com quem conversei na semana passada, um que validasse a soma feita pela Folha.
É positivo que o jornal investigue os números e as histórias não contadas da privatização, buscando a avaliação de conjunto que ainda não foi realizada. Estará prestando serviço se obrigar o governo a explicar por que foram tantas as vantagens dadas aos compradores, e que critérios foram utilizados para decidir quem as teria.
Nada disso, porém, elimina a exigência de informar corretamente. Se há equívoco técnico na conta da Folha, o mérito da iniciativa e a escassez de dados do BNDES não bastam para justificá-lo.
O caso também suscita discussão sobre o uso que o jornal faz das avaliações que colhe em entrevistas.
Dois economistas foram ouvidos na reportagem. Um deles, Paulo Nogueira Batista Jr., fez uma série de críticas ao programa de privatizações, mas nada comentou sobre as conclusões da Folha.
O outro, Roberto Macedo, disse com todas as letras que não é possível somar empréstimos com isenção de impostos. O jornal registrou, engatou a marcha e seguiu em frente com sua metodologia.
É exemplo extremo do que o projeto editorial define, em tom de reprovação, como "auscultação meramente formal do outro lado". Se era para desconsiderar o alerta, teria sido mais lógico deixá-lo fora do texto.
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