renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Horário eleitoral gratuito
"Rico, Tatuapé vira Moema da zona leste." Na primeira leitura, a manchete de Cotidiano de sábado, 9 de setembro, impressionou-me apenas por ser velha.
Seja lá o que o Tatuapé tenha virado, a transformação já foi objeto de um sem número de reportagens, algumas publicadas na própria Folha.
Pobre, a mais recente limitou-se a repetir que os empresários comemoram o poder aquisitivo dos moradores, e que estes comemoram seus novos apartamentos e as lojas de grife disponíveis na vizinhança. Ou seja, uma iniciativa editorial que teve como único efeito a alegria dos vendedores de imóveis.
Para ilustrar o quadro de afluência, o jornal se deu por satisfeito com dois personagens: a administradora de uma empresa de ar-condicionado e Manoel Jorge Gonçalves, proprietário da Ação Imóveis.
Como cresci na zona norte e hoje vivo na oeste, o nome não me disse nada. Precisei do alerta de dois moradores da zona leste para descobrir que a ausência de novidade era o menor dos problemas da reportagem. No generoso espaço concedido a Gonçalves, a Folha simplesmente omitiu que ele é candidato a vereador.
Pelos leitores um do Tatuapé e outro da vizinha Água Rasa fiquei sabendo que o "Mané da Ação", como é conhecido, tentou se eleger deputado em 1998 pelo Prona. Não conseguiu. Agora busca vaga na Câmara pelo PPB.
Sua propaganda, com o nome do candidato sempre associado ao da imobiliária, está espalhada por toda a região.
Na Folha, Gonçalves foi apresentado apenas como o dono "da imobiliária mais influente do Tatuapé, com 30 anos no mercado".
Falou sobre a expansão dos negócios no local. Ganhou foto e perfil. "Filho de imigrantes portugueses", ele "fez fortuna e quer continuar no bairro".
Graças à boa memória de um dos leitores, podemos constatar, na última das páginas reproduzidas ao lado, que o jornal já tinha registrado semelhante declaração de fidelidade às raízes.
Foi em 1991, em reportagem cujo título anunciou que o Jardim Anália Franco havia se tornado o "Morumbi da zona leste" (o Anália Franco é a porção mais rica do Tatuapé).
Logo abaixo vinha o perfil de um morador emergente: Vicente Viscome. "Nasci e vou morrer aqui", dizia o dono de revendas de carros, fotografado sorridente na sacada de um recém-adquirido apartamento de 500 m2.
No ano seguinte, ele se candidatou a vereador pela primeira vez. O resto é história. Cassado em 1999, no rastro das investigações da máfia da propina, Viscome hoje habita uma cela menor do que os dormitórios de seu imóvel no Anália Franco.
De volta à reportagem recente, como a Folha pôde incorrer em forma tão tosca de promoção? "Por pura ingenuidade dos profissionais envolvidos na operação", afirma Nilson de Oliveira, editor de Cotidiano.
"Responsáveis pela produção e edição do material sabiam que Manoel Gonçalves é candidato, mas avaliaram que a informação não era relevante, já que o empresário é, como atestam todas as fontes consultadas, personagem importante a ser ouvido sobre o boom econômico do Tatuapé." Conclusão do editor: "O erro é incontestável".
Qual dos dois erros? O esclarecimento trata apenas da omissão, como se esta tivesse sido a única falha. Não é verdade. O erro original foi ter utilizado Gonçalves, em plena campanha, como personagem desse gênero de história.
Há pouco a discutir neste caso, tamanha a evidência do absurdo cometido. É difícil entender que jornalistas da Folha tenham considerado a condição de candidato informação irrelevante. E que agora achem que o problema poderia ter sido resolvido com simples aviso, como se fosse normal entregar ao leitor, sob aparência de notícia, uma extensão do horário eleitoral gratuito.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade