renata lo prete
escreveu até março de 2001
Renata Lo Prete, jornalista, entrou na Folha em 1986, no caderno "Ilustrada". Foi editora-adjunta de "Mundo", editora de "Ciências" e, em 1998, assumiu o cargo de ombudsman, que ocupou por três anos. Foi ainda editoria da coluna Painel, publicada diariamente no caderno "Poder".
Na trilha de Nicolau
Ao contrário do que alguns temiam, Nicolau dos Santos Neto não se entregou à polícia em uma noite de sábado. Por razões de ordem industrial edições de domingo fecham mais cedo, e atrasá-las não é operação simples, esse teria sido o pior cenário para os jornais.
Mas o dia e o horário da apresentação chegada a São Paulo na noite de sexta-feira também não foram os mais confortáveis para o trabalho da imprensa. Das revistas, àquela altura quase concluídas, apenas "Época" deu capa ao assunto.
Feito às pressas, o relato dos jornais de sábado deixou pendentes várias perguntas. A mais imediata dizia respeito ao roteiro do juiz aposentado, acusado de participação no desvio de R$ 169,5 milhões da construção do fórum do TRT de São Paulo.
Em que lugares ele esteve, ao longo de quase oito meses, antes de encontrar seu advogado e um delegado da PF na cidade gaúcha de Bagé?
Na tentativa de responder, a Folha elegeu, de seu noticiário de domingo passado, o item que a diferenciava dos concorrentes, uma longa entrevista com Alberto Zacharias Toron. A manchete: "Ex-juiz Nicolau nunca saiu do Brasil, afirma advogado".
Além da exclusividade, pelo menos dois motivos justificavam dar atenção a esse depoimento. O primeiro é que Toron foi um dos dois participantes do resgate. Estava, portanto, em condição privilegiada para descrever o que se passara.
O segundo é que suas palavras representavam um contraponto à versão carente de evidências que o governo procurou difundir. De acordo com ela, Nicolau estaria na iminência de ser preso quando decidiu se entregar.
"Isso é mentira", sustentou o advogado. "Tivemos a condução do processo o tempo todo."
Tudo somado, sem dúvida a entrevista merecia espaço na capa e até destaque em uma das estrelas que acompanharam a manchete.
No entanto, foi exagero dedicar o enunciado à versão de Toron sobre os passos de seu cliente. Mais as três estrelas. Mais a totalidade do texto principal. O resultado ficou desequilibrado.
No mesmo dia, história diferente foi contada em outros jornais, em especial na manchete do "Globo" ("Nicolau estava escondido no Uruguai").
Embora chame atenção, a divergência com os concorrentes é o menor dos problemas. Até ontem não havia conclusão definitiva sobre os endereços do foragido. Importante é a questão de princípio. Ao destacar uma versão em seu título mais nobre, o jornal em certa medida a endossa, mesmo quando ressalva ser isso o que "afirma o advogado".
O representante de Nicolau não deveria ser tratado com menos cautela do que as demais partes envolvidas.
Corte para as edições de quarta-feira. No meio de um texto, em página interna, a Folha informou: "Delegados da Polícia Federal dizem ter muitos indícios de que o ex-juiz se refugiou no Uruguai nos últimos meses". O "Globo" foi mais assertivo: "A PF já sabe que Nicolau passou quase todos os 227 dias que ficou foragido no Uruguai".
De novo, "PF diz" e mesmo "PF sabe" não bastam para encerrar a controvérsia. Mas a leitura de diferentes jornais indica que o vento, por ora, sopra na direção do Uruguai.
Pela confiança que depositou no "nunca saiu do Brasil", a Folha está especialmente obrigada a tirar a história a limpo e a noticiar a versão contrária, caso comprovada, com o devido destaque.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade