Jornalista é secretário de Redação da área de Produção da Folha, onde trabalha desde 1998. Escreve às quintas.
Fla-Flu político é o novo e mais inocente esporte olímpico
SÃO PAULO - Passe a vista pelas arenas olímpicas. Agora olhe de novo. Não nota falta de nada?
O azul com o logo Rio-2016 domina tanto o cenário que fica fácil esquecer que os Jogos estão montados em uma máquina de publicidade. Só que não existe nenhum cartaz de propaganda nas arenas —a Olimpíada é uma "antecessora" radical da Lei Cidade Limpa paulistana.
O contraste com a Copa fica ainda mais gritante num país que recebe os dois eventos na sequência, como o Brasil. Basta comparar o Maracanã e o Itaquerão em 2014 e agora.
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
Jogadores do México lamentam a eliminação da Olimpíada; ao fundo, logo azul da Rio-2016 |
O veto aos anúncios faz parte da Carta Olímpica, documento constitucional dos Jogos, que começou a ser escrito no século 19 por Pierre de Coubertin. O francês defendia o amadorismo no esporte. O evento que criou tomou rumo contrário, mas seu conceito visual prevaleceu.
Na Carta, a proibição aparece na regra 50, que também diz: "Nenhum tipo de demonstração ou propaganda política, religiosa ou racial é permitida em qualquer ambiente olímpico".
Danilo Verpa/Folhapress | ||
Partida entre Argentina e Suíça durante a Copa do Mundo de 2014; ao fundo, painel com propaganda |
O mais famoso desafio à norma ocorreu no México, em 1968, quando dois medalhistas ergueram os punhos no pódio em nome do movimento negro. Foram expulsos por pressão do presidente do COI, Avery Brundage —o mesmo que havia comandado a delegação americana em Berlim-1936 sem se importar com as saudações nazistas nos estádios.
Em 2016, o Fla-Flu brasileiro virou modalidade olímpica. Trouxe junto um duelo entre a liberdade de expressão da Constituição e a diretriz da Carta, com a qual concordaram o Brasil (ao se candidatar) e os espectadores (ao comprar seu ingresso). Além da questão política interna, o "Fora, Temer" nas arenas encerra um quê revolucionário contra uma regra da eterna aristocracia do COI.
Mas, como Coubertin perceberia se estivesse no Rio, gastar tanta energia com cartazes nas arenas carrega boa dose de inocência. O ouro às vezes é ganho longe das câmeras.
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