É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.
Escuta inepta
RIO DE JANEIRO - Em seus primeiros e melhores filmes, James Bond, ao adentrar seu quarto de hotel numa cidade estranha, certificava-se de que não havia ninguém atrás das cortinas. Perscrutava os quadros nas paredes em busca de câmeras embutidas e tentava ouvir certos ruídos no telefone de cabeceira, precavendo-se contra escutas clandestinas. Hoje, ele teria de procurar tudo isso nos bolsos das próprias calças --os aparelhos que o espionariam estariam em estreito contato com suas partes íntimas.
E não apenas James Bond, mas todos estamos tendo a intimidade devassada pelos serviços de informação. Pessoas cujo ato mais intrépido na vida foi faltar a um jantar do Rotary e levar a secretária para um happy hour vêm sendo monitoradas pela NSA, sigla em inglês da Agência de Segurança Nacional dos EUA. Seus e-mails estão sendo acessados, e telefonemas ou conversas on-line, ouvidos e gravados, para competente análise e comparação com os de algum terrorista afegão. O objetivo da NSA é o de prevenir amea- ças e agir no ato.
Alguns bilhões de mensagens e telefonemas espionados vêm do Brasil, significando que eu e você podemos constar desse escrutínio. Não sei a seu respeito, mas me aflige saber que alguém interceptou meus recentes e-mails com um colecionador de Niterói para comprar uma garrafinha original de Crush dos anos 50, de casco escuro e serrilhado e com o refrigerante dentro, mesmo choco. Podem achar que é um componente explosivo para derrubar edifícios.
Meu palpite, no entanto, é que a NSA perdeu tempo instalando suas bases em Brasília para vigiar brasileiros. Nossa principal atividade nos últimos anos foi comprar carros, celulares e TVs, obedecendo à estratégia do governo, para quem a riqueza do Brasil se apoia nesses itens.
Se trabalhasse direito, a NSA teria previsto a saída do povo às ruas.
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