É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.
Ao alcance do braço
Herwig Prammer/Reuters | ||
O piano que Mozart tocou por nove anos |
RIO DE JANEIRO - Há anos, o administrador de empresas paulistano Helio Tavares, grande colecionador de discos, encomendou um produto que acabara de sair lá fora e ele não podia viver sem. Era uma caixa, lançada pela Philips, contendo a obra completa do compositor Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) — em 180 CDs. Não, você não leu errado. A obra construída por Mozart em seus fugazes 35 anos de vida exigia 180 CDs para ser apresentada na íntegra.
Para a maioria das pessoas, escutar 180 CDs de um único artista equivale a um projeto de vida. A tarefa fica mais fácil se esse artista for o favorito do colecionador. Mas Mozart não era o favorito de Helio. Ao contrário, sua maior admiração é pelo finlandês Jean Sibelius (1865-1957), que viveu 91 anos, mas cuja obra, bem mais em conta, ocupa apenas 100 CDs, todos já em sua coleção. Então você perguntará: por que comprar 180 CDs de um artista que se admira, mas nem tanto?
Porque é assim que um colecionador funciona. Se uma equipe de pesquisadores levou anos levantando a obra de um compositor e a agrupou em 180 CDs, ele se vê obrigado a prestigiar. Ao tê-los em suas estantes, o colecionador se sente tranquilo — sabe que, no momento em que for acometido de uma desesperadora urgência de escutar Mozart, bastar-lhe-á esticar o braço. E se essa urgência nunca acontecer? Não importa — ele fez a sua parte.
Não sei se Helio leu uma assustadora notícia que circulou esta semana. Acaba de sair uma nova caixa de Mozart, agora pela Decca, em associação com a Deutsche Gramophone. Consta de 200 CDs. Alguns deles contêm peças de 10 ou 15 segundos de duração, compostas por Mozart aos cinco anos de idade. Isto, sim, é que é obra completa.
Por que alguém compraria uma caixa de 200 CDs de Mozart se já tem uma de 180? Porque é assim que um colecionador funciona.
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