É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.
Indústria e câmbio
Na semana passada, argumentei que há toda uma tradição do pensamento econômico que supõe que a especialização produtiva de uma economia é essencial para determinar as possibilidades de crescimento.
Em nosso continente essa tradição se materializou na escola de pensamento da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), da ONU. A interpretação cepalina do desenvolvimento econômico afirma que a especialização das economias na produção de bens primários as condenaria à pobreza.
A oferta excessiva de bens primários, fruto da especialização produtiva, levaria o preço de mercado desses bens a algo próximo de zero. A renda da economia, portanto, tenderia a pouco mais que nada. Como afirmei, esse é o pesadelo cepalino.
Assim, a política econômica deve privilegiar a diversificação produtiva. É necessário subsidiar o investimento em diversos setores, principalmente os mais dinâmicos, para a economia sair da armadilha da especialização em bens primários.
Há um problema lógico no argumento cepalino. A perda de termos de troca para o país, em razão da redução do preço dos bens primários, produzirá, em um regime de câmbio flutuante, desvalorização cambial. Esta, por sua vez, funciona como proteção natural à atividade produtiva local.
Consequentemente, haverá diversificação produtiva e estímulo à produção de outros setores. É surpreendente que o pensamento da Cepal nunca tenha produzido resposta convincente a essa crítica.
De qualquer forma, vários estudiosos na América Latina e no Brasil em especial foram convencidos pelos argumentos cepalinos. Para estes, a indústria de transformação tem papel de liderança no processo de desenvolvimento.
Dois motivos justificam a importância da indústria. Primeiro, a indústria de transformação é capaz de gerar ganhos tecnológicos que transbordam para os demais setores. Essa característica justifica o papel de liderança do setor.
Segundo, a indústria de transformação gera empregos de melhor qualidade. Diferentemente dos serviços, que geram empregos com baixíssimos salários, ou do setor de bens primários, que produz estrutura muito concentrada de rendimentos – alguns poucos empregos com salários elevadíssimos e os demais empregos precários– , a indústria cria majoritariamente empregos com bons salários.
Para as pessoas que pensam dessa forma, políticas macroeconômicas que consigam desvalorizar o câmbio são fundamentais para acelerar o crescimento econômico. O câmbio desvalorizado estimula a especialização produtiva na indústria e, consequentemente, o crescimento, pelos motivos que apontei anteriormente.
A prescrição de política econômica do parágrafo anterior tem que passar por dois tipos de teste. Primeiro, referente à correção da visão de mundo que sustenta a prescrição. Os pressupostos que sustentam a política ocorrem de fato?
Segundo, referente à factibilidade da adoção da política. Se os pressupostos forem verdadeiros, há condições políticas para adotar a política econômica em questão?
Minha resposta às duas indagações é negativa. Não me parece haver evidência empírica de que a indústria seja especial sob algum critério. Mesmo que fosse, não vejo espaço político para adoção da política prescrita pelos estruturalistas cepalinos. A tentativa de adoção dessa política sem que haja condições para tal acarreta mais problemas ao crescimento do que ajuda.
Por questões de espaço, concluo o tema em duas colunas adicionais. Na próxima semana, apresentarei meus argumentos para sustentar que a indústria não é especial e que não há evidência sólida de que câmbio desvalorizado acelere o crescimento.
Mesmo que esteja errado e, de fato, câmbio desvalorizado estimule o crescimento, na semana seguinte apresentarei os motivos pelos quais acredito que nosso sistema político não consegue processar uma política daquele tipo.
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