É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV. Escreve aos domingos.
Rodízio ou pedágio
A Câmara Municipal de São Paulo aprovou na quarta-feira passada o projeto de autoria do vereador do PTB Adilson Amadeu que elimina o rodízio de automóveis na cidade. É uma ótima oportunidade de discutir com mais profundidade o problema de mobilidade na capital.
É o rodízio a forma mais eficiente de restringir o uso de veículos e, portanto, minorar os congestionamentos? Certamente não. A forma mais eficiente de fazê-lo é a introdução do pedágio urbano.
Quando falta um produto, seu preço se eleva. Se quisermos tabelar o preço do produto, como a Venezuela faz agora ou tentamos fazer no Plano Cruzado, nos anos 1980, o problema se resolve com fila.
A fila é a forma pela qual o mercado raciona o uso de um recurso escasso se há impossibilidade de o preço subir. Perde-se tempo na fila em troca de pagar o preço controlado. Se a pessoa tem renda muito elevada e não deseja os desconfortos de esperar na fila, acaba contratando alguém para fazê-lo por ela.
A subida do preço é sempre mais eficiente como forma de racionar um produto ou serviço de oferta escassa do que a fila.
O congestionamento é a fila do trânsito. Nos horários em que as ruas estão vazias, o espaço público é efetivamente um bem econômico público. Isto é, o fato de uma pessoa utilizar a via não impede que outra o faça. Nessas condições, não faz sentido cobrar pelo uso da via.
No entanto, a partir de certo nível de utilização, as vias públicas se congestionam e deixam de ser um bem público no sentido econômico, passando a ser um bem de natureza privada. Para que uma pessoa utilize a via, outra tem que sair.
A forma eficiente de racionar o uso de um bem ou serviço de natureza privada é por meio da elevação do preço, e não por meio de fila.
Na fila, os mais ricos podem contratar pessoas para esperar por elas. No rodízio, os mais ricos podem ter um carro adicional.
A alguns pode parecer absurdo que uma pessoa adquira um segundo carro somente para enfrentar o rodízio. Mas ocorre, e há formas mais sutis de fazê-lo. Um casal que convive bem com somente um carro pode decidir ter o segundo automóvel em razão do rodízio. Ou ainda um casal com dois filhos adultos pode ter mais carros também para enfrentar melhor o rodízio.
A implantação do pedágio urbano, com preços diferenciados conforme horário, dia da semana e local da cidade, produzirá uma sucessão de ajustes -pessoas passarão a marcar compromissos em outros horários ou sairão mais cedo de casa etc.- que melhorará muito a qualidade de vida de todos.
É verdade que boa parte desses ajustes já ocorre hoje. Com o pedágio, ocorreriam de forma muito mais eficiente, pois os congestionamentos seriam menores. Adicionalmente o poder público teria uma receita extra para investir em transporte coletivo, o que contribuiria para aliviar o problema.
E as pessoas estariam melhor com o pedágio? Provavelmente sim. A maior fluidez aumentaria a velocidade média dos ônibus, melhorando a vida do usuário desse modal.
As pessoas que pagassem o pedágio teriam em contrapartida menores perdas de tempo no trânsito e poderiam poupar recursos que eram gastos com medidas para contornar o rodízio.
Em períodos de guerra, é usual o racionamento de bens de primeiríssima necessidade -geralmente alimentos- por meio de filas. No entanto, o racionamento é complementado com medidas -normalmente a distribuição de selos pessoais e intransferíveis- que obrigam que cada indivíduo consuma somente a sua cota.
No trânsito, essa medida seria equivalente à distribuição de cotas de quilômetros rodados para cada cidadão. Não parece ser muito eficiente.
Com as novas tecnologias, certamente o pedágio urbano é a solução mais eficiente para racionar o uso das vias públicas, que, em megalópoles como São Paulo, perdem a propriedade de serem bens econômicos públicos e passam a ser bens de natureza privada.
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