É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".
Política externa de marqueteiro
Há algo de muito errado na diplomacia do país quando ela é definida por gênero.
Explico: o Brasil mudou sua posição em relação ao apedrejamento de uma iraniana condenada por adultério porque o candidato governista à Presidência é uma mulher. E ela poderia ser constrangida na campanha pela primeira reação de absoluta indiferença do presidente Lula em relação a uma morte tão cruel de outra mulher num país tão "aliado".
No Campo da Pólvora, em Salvador, Ruy Barbosa treme em seu túmulo: agora são os marqueteiros eleitorais que direcionam a política externa do Brasil .
Só as eleições brasileiras para afastar um pouco Lula de seu novo melhor amigo, o presidente iraniano, Mahmood Ahmadinejad. Mesmo com o apoio quase incondicional do Brasil às posições indefensáveis do regime islâmico, Teerã não mostrou compaixão com a oferta tardia de Lula de dar asilo à iraniana e disse que o amigo brasileiro estava "mal-informado" sobre a execução por apedrejamento de Sakineh Ashtiani.
Lula certamente está mal-informado sobre o Oriente Médio. O Brasil se meteu no maior vespeiro do planeta dando um ingênuo abraço de afogados em Ahmadinejad e no premiê turco, Racep Erdogan.
Os três se uniram, sem sucesso, contra a pressão de EUA, União Europeia e Rússia por sanções ao Irã por seu programa nuclear ilegal e clandestino, uma das grandes ameaças à paz mundial. Ahmadinejad, por motivos óbvios. Erdogan porque, desde que a União Europeia fechou suas portas para a Turquia, virou-se para o Oriente e busca reforçar sua liderança regional radicalizando posições em relação ao Ocidente e Israel. Já no caso de Lula, fica difícil entender seus motivos.
O Brasil sempre defendeu a não-ingerência em assuntos internos dos países. Uma posição questionável, porém defensável. Mas esse apoio quase incondicional a regimes tão opressores como Irã, Cuba e Sudão mancha nossa nova e crescente projeção global como país democrático e responsável.
A última iniciativa brasileira é uma proposta no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra para que o órgão não faça condenações públicas de regimes violadores de direitos humanos sob o argumento de que elas não são eficazes para conter os abusos. Ou seja, estamos propondo uma espécie de Lei da Mordaça contra denúncias às tiranias.
A ação do Brasil no Conselho, sempre contemporizando ou defendendo violadores de direitos humanos, tornou-se alvo constante de críticas das organizações de defesas de direitos humanos como Anistia Internacional e Human's Right Watch.
O desdém brasileiro em relação aos direitos humanos, nossa incapacidade de moderar o conflito Venezuela-Colômbia e o apoio ao Irã são os equívocos mais gritantes da acelerada regressão diplomática do país.
Voltamos a um terceiro-mundismo anacrônico e nos aliamos ao paredão de tiranias que rechaça e barra a onda de democratização global pós-queda do Muro de Berlim. Essa ideologia tosca parece ser reforçada também pelo desejo inconfessável de nosso presidente de arregimentar apoio do maior número de países para realizar suas ambições pós-reinado.
A emergência brasileira, tão edificante na economia, parece ter subido à cabeça fossilizada dos responsáveis por nossa política externa. Justamente agora que o mundo nos olha com inédito interesse, não podemos deixar que cole no Brasil o selo de "melhor amigo dos ditadores", como escreveu nesta semana importante colunista do "Washington Post".
Está na hora de nossa diplomacia recuperar o bom senso e o pragmatismo. Abaixo as ditaduras.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade