É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".
A verdade, finalmente
A revolução egípcia destampou a panela de pressão do maior país do mundo árabe. Finalmente saberemos o que anda de fato cozinhando dentro dela.
Os Estados árabes, desde sua constituição, reprimiram suas sociedades: os direitos políticos, os direitos civis, as mulheres, a imprensa, a cultura, a confiança, o desenvolvimento econômico, social e individual.
No final dos anos 1990, quando estive no Iraque de Saddam Hussein, passei 11 dias com um simpático motorista que me levou para conhecer sua família. Falávamos de tudo, mas sempre que perguntava sobre Saddam, ele se calava e balançava a cabeça para enfatizar que aquele era assunto proibido, mesmo na intimidade.
Os egípcios, em poucos dias e de forma pacífica, derrubaram essa barreira do medo, pilar das autocracias árabes .
Por isso, a revolução é o evento mais transformador da história pós-colonial da região. Mostrou como sociedades mais conectadas e globalizadas conseguem se organizar e mobilizar contra estruturas arcaicas, sob a proteção das lentes da imprensa global e de incontroláveis blogueiros, twitteiros e redes sociais.
Mas transformador não é necessariamente melhor.
A história da região recomenda pessimismo. Da Revolução Iraniana que desembocou na notória teocracia islâmica, do processo de paz israelense-palestino que desembocou na sangrenta intifada e em guerra, das nascentes democracias palestina e libanesa, que desembocaram em Hamas e Hizbollah no poder.
Rodando o modelo, é mais fácil antever o Egito permanecendo sob os militares ou caminhando para um regime islâmico do que se transformando numa democracia.
Revoluções populares são muito mais eficientes para derrubar regimes do que construir democracias.
Por enquanto tivemos uma revolução popular em paralelo a um golpe militar: os militares viram que seria melhor entregar Mubarak do que o poder.
Otimismo não seria recomendado dentro das premissas usuais na região. Mas há elementos muito novos aqui, principalmente a revolução tecnológica e a intensificação da globalização.
Um dos maiores líderes dessa revolução é um executivo egípcio do Google que ajudou a espalhar a revolta online e ontem estava na CNN dizendo que quer encontrar Mark Zuckerberg para agradecê-lo pelo que seu Facebook fez pelos insurgentes.
Quem preveria esse tipo de coisa um mês atrás?
A forma extraordinária como se organizou os protestos, a queda rápida do longevo ditador, o acompanhamento global ao vivo dos eventos no centro do Cairo apontam para um mundo que já mudou.
As autocracias árabes sempre se justificaram como escudo contra o extremismo islâmico e a instabilidade. Esse escudo caiu e agora vamos saber o que de fato está por trás dele.
A verdade, finalmente.
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