É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".
O Itamaraty tucanou no Paraguai
A crise paraguaia mostra muito mais onde estamos do que o que somos. O momento bananas em Assunção combina mais com Venezuela, Argentina, Equador e Bolívia do que com o Brasil. Aqui existe (alguma) ordem e (algum) progresso. O Brasil, como os EUA, pode reivindicar sua excepcionalidade. Os países latino-americanos são muito mais parecidos entre si do que com o Brasil. E o Brasil em muitos sentidos deve ser comparado com os EUA, não com os nossos vizinhos. Essa ao menos deveria ser nossa ambição .
Mas se nossas diferenças com los hermanos são grandes, nossas semelhanças também o são. Tivemos ciclos recentes de relativa simultaneidade: autoritarismo, abertura política, onda liberal, crises econômicas, vitórias eleitorais da esquerda. Mas a resposta do Brasil às crises dos anos 1990 teve um twist bem brasileiro chamado lulo-petismo, que meio sem querer formou uma barreira contra o bolivarianismo messiânico de Chávez e o peronismo naftalina dos Kirchner ao criar uma quarta via e inspirar líderes como Ollanta Humala no Peru e Jose Mujica no Uruguai. São produtos legítimos de nosso soft power, disseminado em campanhas políticas de marqueteiros petistas pelo continente.
Apesar de nossa força crescente, na crise paraguaia demoramos a nos posicionar e acabamos forçados a assumir a posição dos outros. Fomos a reboque de Chávez e Kirchner, atacando o impeachment paraguaio, ao invés de buscarmos diálogo, moderação e maior influência sobre nosso vizinho e seu governo de turno, que, registre-se, não rompeu nenhuma norma constitucional.
O escorregão diplomático brasileiro foi tão grande que o Brasil teve de renegar sua posição default usada até em demasia de que não se intromete nos assuntos internos dos outros países. O que o sempre amigo Chávez fez na Venezuela, manietando Judiciário, Legislativo e Justiça Eleitoral por muitos anos é no mínimo tão grave quanto o impeachment paraguaio.
O Itamaraty tucanou. Uma fraqueza que transformou nosso esquerdismo fake, tolerável porque fake, em equívoco diplomático grave.
Não devemos nos alinhar a Caracas ou a Buenos Aires, eles que devem se alinhar conosco. A, digamos, esquerda que ocupa o poder na Venezuela, na Bolívia, no Equador e na Argentina é muito diferente da esquerda brasileira. Lula nunca foi de esquerda. Ele é do centrão, um estrategista maquiavélico e macunaímico, populista e humanista, que aprendeu na luta e na fila a fazer a coisa certa quando lhe fosse dada a oportunidade.
Enquanto governou pela direita, Lula usou com brilhantismo o adesismo natural do esquerdismo nacional para cooptá-lo e locupletá-lo com as benesses do poder. Funcionou e nos liberou para mergulharmos sem culpa na economia de mercado, trocando comunismo por consumismo. O brasileiro médio sempre foi tão pobre que quando ganhou um pouco foi logo gastar, ao contrário dos chineses, que poupam muito porque temem o futuro. Aqui o governo petista implora: operários do Brasil, consumam!
Nossa esquerda é tão adesista que se acomoda até com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. "Hoje de manhã me reuni com um grupo de intelectuais da elite brasileira", gabou-se o iraniano durante entrevista na Rio+20. Enquanto Dilma não quis recebê-lo, a, digamos, nata do esquerdismo brasileiro deu palco e aplauso a Ahmadinejad, mal recebido em qualquer democracia do mundo por sua perseguição a homossexuais, minorias religiosas e opositores em geral e por sua negação cínica do Holocausto.
Aqui também teve protesto grande nas ruas contra Ahmadinejad. Mas cerca de 70 figuras de ponta esquerda como o sociólogo Emir Sader, o pcdobebista Haroldo Lima, um filho de João Goulart e até gente da UNE (que os oprimidos universitários iranianos não o saibam) foram prestigiá-lo. Aguardo até hoje um post no blog do professor Emir Sader sobre seu encontro com Ahmadinejad, seus insights depois de vê-lo.
Agora, se a nata da esquerda brasileira abraça tão efusivamente Ahmadinejad, qual o problema de Lula abraçar o Maluf? Como disse o sempre sagaz Maluf à coluna da Mônica Bergamo nesta semana: "Eu, perto do Lula, sou comunista. Eu não teria tanta vontade de defender os bancos e as multinacionais como ele defende. Quando ele tira imposto dos carros, tira da Volkswagen, da Ford, da Mercedes. Quando defende sistema bancário, defende quem? Os banqueiros."
É isso aí. Maluf, quem diria, tem razão.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade