Foi a ombudsman da Folha por quatro anos, de abril de 2010 a abril de 2014. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano".
Sob tortura
"Diante da tortura, ninguém é herói." "É uma dor inimaginável." "A tortura tira a honra da pessoa." Essas são algumas das poucas frases de Dilma Rousseff sobre os 22 dias consecutivos em que foi seviciada durante a ditadura militar.
A futura presidente do Brasil não gosta muito de falar do período em que esteve presa ou de quando militou em uma organização de esquerda, entre 1964-70. O processo, do qual constam a denúncia contra ela e os depoimentos dados à polícia, foi liberado no último dia 16, depois de uma longa batalha judicial vencida pela Folha.
Alegando que os documentos poderiam ter "mau uso eleitoral", o presidente do Superior Tribunal Militar tinha trancado os papéis em um cofre, aberto apenas depois do pleito que elegeu Dilma. Com o processo em mãos, a Folha publicou duas reportagens até agora: uma sobre o arsenal da VAR-Palmares (no dia 20) e hoje uma sobre as aulas políticas para operários.
Os leitores vêm demonstrando preocupação com o que o jornal fez e pretende fazer com esse material. "Para que mexer em feridas?", "A Folha quer um terceiro turno?", "Há algum ganho para a democracia?"
É absolutamente legítimo querer saber do que Dilma foi acusada e se, por exemplo, participou de alguma ação guerrilheira que resultou em mortes. Não faz sentido que uma autoridade prejulgue as intenções da imprensa e decida que determinados fatos não devem vir à tona. Imagine se a moda pega?
O processo militar suscita, porém, outra discussão, mais difícil: até que ponto é justificável publicar confissões obtidas sob tortura? Alguns dizem que fazer isso é uma forma de "homenagear a ditadura". "Faz a agressão ter valido a pena", escreveu o juiz Marcelo Semer, em sua coluna no "Terra Magazine".
Se o jornal simplesmente reproduzisse o que está no processo -nos "papeluchos ensanguentados", como definiu um leitor-, estaria mesmo incorrendo no erro de divulgar informações obtidas de forma cruel e que carregam todo tipo de distorções. Processos como o de Dilma foram montados sob um regime ditatorial, sem espaço para o contraditório. "É lixo puro", exagerou o ex-ministro José Dirceu.
Até agora, a Folha não tratou como realidade dada o conteúdo desses documentos. Para falar sobre o funcionamento da VAR-Palmares, corrente em que a presidente eleita militava, o jornal entrevistou o ex-guerrilheiro João Batista de Sousa, que confirmou o que havia dito na época, sob tortura: que, para garantir a segurança do arsenal, dividiu a senha de acesso entre Dilma e outro companheiro. Contou que, quando ela chegou ao "aparelho", a casa estava vazia, cravejada de balas, porque o esconderijo tinha sido descoberto pela polícia.
A Folha fez reportagem e revelou apenas mais um detalhe do passado militante da sucessora de Lula. Mas, se Sousa tivesse pedido que o jornal não publicasse o que disse em sessões de espancamento, a Folha deveria atendê-lo.
Trata-se de preservar a intimidade de quem não pôde escolher no passado se falaria ou não. Como lembra Elio Gaspari em "A Ditadura Escancarada", o torturado pode até preferir morrer a delatar alguém, mas nem essa opção ele tem. Quem decide sobre o seu corpo é o seu algoz.
Da mesma forma, Dilma Rousseff tem todo direito de não querer ver publicado o que confessou ou inventou, aos 22 anos, pendurada em um pau-de-arara.
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