Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Meia hora para ser feliz

Estou no Rio a trabalho. A reunião começa às 11h30, mas ainda são 9h da manhã. Em duas horas organizo tudo o que vou apresentar, tomo banho, me arrumo, almoço e chamo o táxi. O que fazer então com esse presentinho inesperado do cosmos chamado "meia hora"? Há muito tempo a vida não me brindava com uma janela na agenda e resolvi fazer algo muito maravilhoso com tamanho mimo. Resolvi ser tão ridiculamente alegre nessa meia hora, mas tão insuportavelmente feliz, que seria "a meia hora" que eu contaria para meus filhos e netos. Ah, sim, já sei, você vai contar aquela história ótima sobre a única vez na vida em que lhe sobrou meia hora e você se sentiu estupidamente radiante.

Pois bem, e o que fazer? Notei que meu hotel estava a duas quadras da praia. Percebi que o dia estava lindo. Lembrei que pessoas leves e animadas fazem esse tipo de coisa: vão à praia. Fui à praia.

Ao chegar à praia, profundamente obcecada pela minha missão de ser exorbitantemente feliz naquela meia hora, pedi ao rapaz da "Barraca da Tia" que me disponibilizasse uma boa cadeira e um excelente guarda-sol bem de frente para o mar. Longe da lata de lixo e de um grupo de pessoas que falava muito alto. Pedi também água de coco e comprei uma canga laranja. Li em algum lugar que a cor laranja traz enorme contentamento para o espírito.

Deitei na canga observando o céu bem azul e algumas gaivotas, mas ainda não era isso. Pra ser muito feliz tem que entrar no mar. Entrei no mar e estava muito gelado e muito revolto e me deu muito medo de que roubassem minha bolsa e resolvi voltar. A água de coco tinha ficado quente. O moço que me vendeu a canga passou de novo e percebi que ele espirrava e limpava o nariz nos produtos que vendia. Eu não estava exatamente exalando júbilo. Como faz pra ser feliz? Faltavam 14 minutos.

Liguei para o Antonio Prata, que estava no Rio para a mesma reunião que eu, e o convidei para oito minutos de praia. Talvez eu pudesse sentir um abundante e exagerado regozijo batendo um bom papo com meu amigo. Ele passou por mim correndo, lambuzou a cara com meu protetor solar, reclamou que era perfumado demais, e voltou a correr. Antes me contou que corre desde moleque e que lhe faz muito bem. Será que eu deveria correr então, nos seis minutos que me faltavam, pra ser bizarramente feliz? Só de pensar tive que colocar sal embaixo da língua, minha pressão caiu.

Notei que senhoras de 50, 60, 70 e 105 anos, no Leblon, têm a bunda melhor do que a minha. O que acontece com a bunda das mulheres do Rio? Gostaria de ouvir Harvard sobre o assunto. Feministas, amo vocês. Mas posso falar que me sinto oprimida pela circunferência exuberante e rígida da bunda da carioca? Talvez com uma bunda daquelas eu poderia ser assombrosamente feliz nos três minutos que me faltavam.

Eis que chegou um cara gato. Ah, o Rio de Janeiro. A planejada bem-aventurança estava naquele homem e eu tinha agora 45 segundos. Dá pra ter um amante nesse tempo? Ele negociava com o cara da "Barraca da Tia", pedindo desconto na cadeira. Não conseguiu os dois reais de desconto, então resolveu sentar no chinelo mesmo. Dois reais, minha gente. Eu nunca seria feliz com um playboy, mas eu também nunca seria feliz com um cara que está em plena terça-feira, na praia, negociando conforto por dois reais. Pensei que estava na hora de voltar pro trabalho e foi a primeira vez no dia em que sorri.

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