É secretário de Redação da Folha. Foi editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e do caderno 'Mundo'.
Escreve às segundas-feiras.
O comércio pacifica
SÃO PAULO - A crise na Ucrânia tornou-se um quebra-cabeças difícil. Um incidente, como a suposta escaramuça de ontem no leste do país entre milícias ucranianas e pró-Moscou, pode dar a Vladimir Putin pretexto para nova ação militar.
O impasse, e a diplomacia mansa adotada pelos Estados Unidos e seus aliados europeus, desperta comparações com a Alemanha nazista pouco antes da Segunda Guerra. Hitler, como Putin, alegou proteger minorias com as quais seu país detinha laços étnicos para anexar territórios tchecos no final de 1938, com a bênção da França e da Inglaterra.
Levada a ferro e fogo, a lógica de equiparar fronteiras nacionais a comunidades culturalmente homogêneas redunda em ódio, conflito e empobrecimento. Esse raciocínio se reforça no contexto da Europa, ainda crivada de aspirações étnico-nacionalistas, latentes ou expostas.
A mania nacionalista favorece a doutrina econômica de que o país deve dominar, pela guerra e pela subjugação de povos se preciso, todos os recursos que satisfaçam as necessidades de sua população. Hitler agiu em nome do "Lebensraum", o espaço vital que sua ignorância genocida pontificava para o bem-estar alemão.
Mas a Alemanha nazista não estava só. Por toda a Europa havia adeptos poderosos da economia nacionalista. O tratado que sucedeu à Primeira Guerra, impregnado de ideologia autárquica, ensejava a exploração de povos derrotados. A crise de 1929 apenas acendeu o pavio.
A Alemanha, que quase não tinha comércio externo sob o nazismo, hoje exporta 51% do PIB e importa 45%. Ucrânia, Polônia, Áustria, República Tcheca e tantos outros vizinhos também ostentam elevada abertura e dependência externa.
A própria Rússia, que comercializa 50% do PIB com outras nações, não pode dar-se ao luxo de levar muito longe a recidiva czarista. Eis os limites de ferro para o neoexpansionismo de Moscou.
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