Está na Folha desde 1991.
Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de quarta a sexta e aos domingos.
Alegria de pobre no Brasil
Saul Loeb - 23.jna.17/AFP | ||
Donald Trump mostra decreto em que retira os EUA da Parceria Transpacífico (TPP) |
Donald Trump jogou no lixo o acordo de livre-comércio com países do Pacífico, para satisfação discreta e concordância envergonhada de certas gentes no Brasil.
Gente graúda da agropecuária e da indústria ficou aliviada que a Parceria Transpacífico (TPP) tenha ido para o vinagre. A esquerda quase toda passou o vexame de se ver do lado de Trump, pois acha que a TPP seria mais uma maldição liberal e outro ataque aos trabalhadores. Parte do Itamaraty gostou da primeira lambança comercial americana.
Mais ou menos um quarto do comércio do Brasil é feito com os países que assinaram esse acordo ora morto. Caso o TPP vingasse, tenderia a haver aumento de comércio dentro do bloco. Haveria mais mercado para produtos agrícolas americanos, que em tese tirariam empresas brasileiras de vários jogos na próxima década.
Pelo menos era essa a preocupação das associações empresariais, piorada pelo fato de que o Brasil não negocia acordo comercial relevante faz uns 20 anos, na prática. Os tratados da década passada são inoperantes ou fichinha, com mercados que levam só uns 3% das exportações brasileiras.
A satisfação de certas gentes no Brasil com o decreto protecionista de Trump lembra a do aluno mais relapso da classe que se alegra com o fracasso geral da turma. É muita pobreza de espírito ou espírito de porco.
Na pior e improvável hipótese, uma guerra mundial protecionista detonada pelos Estados Unidos seria péssima para o mundo inteiro. No caso em que americanos e o resto do mundo se arranjem com novos padrões de acordos de abertura comercial, o Brasil vai ter de se virar para arrumar uma política econômica externa, pois não temos nenhuma.
Depois da abertura de 1990-1995, o que tivemos?
O Brasil só empurrou com a barriga a barafunda do Mercosul, ainda mais parado desde 2008, um desacordo comercial que não se torna união aduaneira ou mercado comum.
Além do mais, o Brasil foi derrotado nas tentativas de acordo geral na OMC, a única política mais permanente do país. Nos anos petistas, ficou na conversinha geopolitizada e na prática infrutífera de acordos Sul-Sul.
Enquanto a China passava a mão na nossa cabeça, levava mercados de empresas brasileiras, dos EUA à vizinhança sul-americana.
Enfim, tivemos o ensaio teratológico de Dilma Rousseff, protecionismo e política industrial com cheiro de cravo de defunto, à moda Geisel.
Entre outras regressões, tivemos a política de conteúdo nacional, genérica e equivocada, combinada a subsídios para quadrilhas de empreiteiras faturarem na América Latina, mistura grossa que ajudou a arruinar a maior empresa brasileira, a Petrobras, e criou um pantanal de corrupção.
Ainda somos das economias mais fechadas do mundo, mesmo entre os países-baleia. Nossa participação nas exportações mundiais continua flutuando em torno de 1%, faz décadas. O que queremos fazer disso?
Se a elite política e econômica dos EUA detiver Trump, pode bem ser que os americanos tentem fechar uma série de acordos bilaterais. Pode ser que a China crie seus blocos de comércio. Pode ser que essa barafunda até crie oportunidades novas para o Brasil.
Especulações? Sim. Cenários para estratégias? Talvez. Temos alguma? Não.
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